HISTÓRIA DE JOINVILLE
HISTÓRIA DE JOINVILLE

De como a Revolução de 1848 na França provocou a fundação da Colônia Dona Francisca no sul do Brasil

Texto de Raquel S.Thiago

In: Joinville os pioneiros: documento e história. Volume I.  Böbel, Maria Thereza, S.Thiago Raquel.Joinville: Editora UNIVILLE, 2001.

O que tem a ver uma revolução na França, tão distante, com a fundação de uma colônia germânica nas matas do litoral do sul do Brasil? Parece tudo muito sem nexo. Apenas parece: muitos fatos, antes mesmo da chamada “era da globalização”, repercutiam em lugares inimagináveis, tudo dependendo de circunstâncias. Os grandes descobrimentos marítimos, por exemplo, causaram uma revolução no comércio, nos costumes, nos valores morais, religiosos e culturais e fizeram surgir novos conceitos científicos, além da transformação total da vida dos povos nativos das regiões colonizadas.

Quem foi Dona Francisca? Dona Francisca Carolina foi a Princesa brasileira, irmã do Imperador D. Pedro II, que se casou com o Príncipe francês François Ferdinand Philippe de Orléans, filho do Rei da França, Luís Felipe.

Casaram-se em 1843. Nessa época, a estabilidade política e financeira da França e do restante da Europa era constantemente ameaçada pela insatisfação do povo com o desfecho da Revolução Francesa de 1789. A prometida, cantada e decantada “liberdade, igualdade e fraternidade” não chegara ao povo. A esse tempo, perguntava-se: Onde estava o movimento inicial de libertação que imprimira a ideia de redenção popular?

No rescaldo da contrarrevolução, Napoleão Bonaparte coroou-se Imperador da França e aterrorizou os reinos europeus por ele conquistados na ambição de aumentar seu império. Entre 1814 e 1914 os choques revolucionários foram frequentes na Europa. Tentava-se uma volta aos ideais de 1789. Talvez a sonhada liberdade não estivesse de todo perdida. O liberalismo, portanto, foi a primeira manifestação que se insurgiu contra o que restava das monarquias absolutas e esteve presente por todo o século XIX.

Nesse clima, estourou a Revolução de 1830 na França contra o absolutismo de Carlos X, e Luís Felipe, pai do nosso príncipe, tornou-se rei. No entanto sua passagem pelo governo da França ainda não realizaria a utopia da “liberdade, igualdade e fraternidade”. Dominado pela burguesia financeira, ávida da liberdade de ação que não conquistara no governo anterior, Luís Felipe não realizou uma política voltada para a questão social, que se agravava.

Os privilégios concedidos aos aristocratas financeiros resultaram em grande crise na indústria e na agricultura francesa em 1846-47. Inevitavelmente, a onda de desemprego que se seguiu preparou o clima para a Revolução de 1848 e a deposição do Rei Luís Felipe. Tudo indicava que a Princesa Francisca Carolina e o Príncipe de Joinvillepassariam por dificuldades financeiras. A família real francesa buscou exílio na Inglaterra, onde, apesar da solidariedade com que foram recebidos, tinham de se manter sem os costumeiros privilégios.

Nesse momento, caiu do céu a lembrança das terras que a princesa havia recebido quando do seu casamento. Desde 1840 ficara determinado, por lei, que cada consórcio em uma família real implicava o estabelecimento de um dote. Assim, as filhas de D. Pedro I e, portanto, irmãs de D. Pedro II, em idade de casar, teriam, entre outras vantagens econômico-financeiras, um patrimônio em terras pertencentes à União.

À Princesa Francisca couberam 25 léguas quadradas das terras devolutas da margem direita do Rio São Francisco, na então Província de Santa Catarina. Naquele momento tais terras passaram a significar uma perspectiva de negócio que poderia minimizar o aperto financeiro que as circunstâncias impunham ao Príncipe e à Princesa de Joinville. As terras já estavam demarcadas desde 1846, o que facilitou os negócios daí por diante.

Conta-nos o historiador joinvilense Adolfo Bernardo Schneider, em História da fundação de Joinville, que em março de 1849 o Príncipe de Joinville enviou seu procurador, Léonce Aubé, para Hamburgo, onde sabia existir um círculo de pessoas pertencentes ao alto comércio interessadas na fundação de uma colônia agrícola no Brasil. A colonização, naquela época, proporcionava grandes lucros, principalmente com o transporte de colonos para a América, e na volta, de produtos brasileiros para serem vendidos na Europa.

Em Hamburgo, Aubé entrou em contato com o Senador Christian Mathias Schroeder, que tomou a si a tarefa de providenciar o que fosse preciso no sentido de fundir os interesses do Príncipe e da Princesa de Joinville com os do grupo hamburguês.

Schroeder fizera parte, também, da Sociedade de Proteção aos Imigrantes Alemães no Sul do Brasil, cujo objetivo era manter as relações comerciais há muito existentes entre Hamburgo e Brasil, mediante a introdução de imigrantes alemães e o estabelecimento de colônias agrícolas. Por volta de 1848 essa sociedade dissolveu-se, e Schroeder, aceitando a proposta do Príncipe de Joinville de cessão de 8 léguas quadradas das terras dotais no sul do Brasil para colonização, convocou os acionistas da extinta sociedade para fundar nova empresa de imigração. Não encontrou, porém, o apoio esperado e acabou assumindo pessoalmente a responsabilidade pelo empreendimento.

Assim, em 5 de março de 1849 foi firmado o contrato de colonização. De um lado estava o procurador Louis François Léonce Aubé, que assinou em nome do Príncipe e da Princesa de Joinville, e, de outro lado, o Senador Christian Mathias Schroeder.

Segundo o referido contrato, os príncipes cediam 8 léguas quadradas de terras a Schroeder para o estabelecimento da futura colônia, com direito à opção por mais 12. Por sua vez, Schroeder obrigava-se a colocar na Colônia 1.500 colonos em cinco anos e proporcionar-lhes o necessário amparo inicial para o seu estabelecimento, cobrar-lhes impostos anuais, abrir estradas, construir igrejas, escolas e outras benfeitorias.

Logo após a assinatura do contrato, Schroeder constituiu uma sociedade por ações, em Hamburgo, que assumiu os compromissos e direitos do contrato particular. A sociedade foi denominada Colonisations-Verein von 1849 acrescentando-se, mais tarde, in Hamburg, ou seja, Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo.

Iniciava-se, assim, a colonização de parte das terras dotais, na Comarca de São Francisco do Sul, Província de Santa Catarina. O empreendimento recebeu o nome de Colônia Dona Francisca. Nos anos seguintes, consumou-se um plano de colonização que, não fossem os movimentos revolucionários na França, talvez nem tivesse existido.

 

Os preparativos

A assinatura do contrato de colonização representou a formalização de um intento, a ser realizado nas terras do sul do Brasil, que envolveria milhares de pessoas, exigiria incontáveis iniciativas e importantes decisões. Tudo começou com os preparativos para a acomodação de centenas de pessoas que, em março de 1851, chegariam à atualJoinville para finalmente formar o primeiro núcleo, que receberia o nome de Colônia Dona Francisca.

Àquela época, a atual Joinville era parte quase intacta da mata atlântica, cujos segredos eram familiares apenas aos índios e aos moradores das redondezas. A grande tarefa da Sociedade Colonizadora era transformar uma paisagem de natureza quase virgem em um local onde pudesse viver aquele povo proveniente do chamado “berço da civilização ocidental”, em nada semelhante à América do Sul.

A Sociedade Colonizadora tinha ideia do desafio a que se propunha enfrentar. Enviou, então, uma missão encarregada de iniciar o contato com as estranhas paragens. Hermann Guenther, engenheiro, foi contratado para chefiar tal missão e, antes de tudo, deveria definir o melhor local para a instalação da Colônia, no âmbito das 8 léguas quadradas disponibilizadas pelo contrato.

Foi assim que, após um tempo passado no Rio de Janeiro resolvendo trâmites burocráticos, Guenther chegou ao porto de São Francisco ao anoitecer do dia 21 de maio de 1850, acompanhado de:

-Louis François Léonce Aubé, cidadão francês, com 34 anos de idade, Vice-Cônsul da França em Santa Catarina e representante de Suas Altezas Reais, o Príncipe e a Princesa de Joinville;

-Louis Duvoisin, cozinheiro e servente de Aubé, cidadão francês, com 30 anos de idade, que emigrara para o Brasil em 1842. Era solteiro, como também Léonce Aubé; e as famílias de:

-Peter Schneider, lavrador, com 26 anos, Maria Catharina, sua mulher, e Catharina Schneider, sua filha;

-Ewert Sebastian von Knorring, lavrador, com 33 anos,  Augusta Sophie von Knorring, sua mulher, e Mathilde Elisabeth von Knorring, filha recém-nascida do casal.

Essas duas famílias foram contratadas por Guenther, no Rio de Janeiro, para formar um primeiro núcleo colonial e iniciar a derrubada das matas virgens, abrir brechas e picadas para as primeiras plantações.

No dia seguinte o grupo fez a travessia da Baía da Babitonga, com uma parada rápida no porto do Rio Bucarein. Este servia para o embarque dos moradores do sítio do Coronel Antônio João Vieira, que ali se instalara com fazenda e muitos escravos, nas margens do riacho Itaí-Guaçu, hoje Itaum. Como conhecedor da região, o Coronel Vieira muito contribuiu com seus préstimos, além de ter cedido alguns dos seus escravos para os serviços pesados. Isso possibilitou aos recém-chegados empreender as primeiras explorações.

Em seguida continuaram a subir o Cachoeira até chegarem à embocadura de um riacho de águas puras e cristalinas. Na margem desse riacho encontrava-se a cabana do francês M. Frontin, egresso da extinta Colônia do Saí, instalada em 1842 na atual Vila da Glória, nos moldes das concepções do socialista utópico Charles Fourier. Nos idos de 1850, vivia Frontin uma vida solitária, pois certamente se recusara a regressar à “civilização” das grandes cidades.

Ao contato com paisagem tão exótica, foi certamente com ansiedade que aqueles europeus, no dia 22 de maio de 1850, ali desembarcaram, exatamente onde o Coronel Jerônimo Coelho havia assentado o marco de pedra lavrada n.º 9, que se encontra até hoje no mesmo lugar, atualmente ao lado da ponte sobre o Rio Cachoeira, próximo ao edifício da Prefeitura de Joinville.

Além desse ponto, o Rio Cachoeira não oferecia mais possibilidade de navegação. Carlos Ficker, em seu livro História de Joinville: subsídios para a crônica da Colônia D. Francisca, remete nossa imaginação para a paisagem das imediações na época, quando diz: “Silenciosas e imóveis, pendiam sobre as águas do rio as sombrias frondes das árvores”. Os recém-chegados experimentaram, pela primeira vez, o sabor de uma aventura na mata e resolveram passar a noite na cabana de Frontin, que, de uma hora para outra, contava com a companhia de europeus, o que não era comum.

Em janeiro de 1851, oito meses após a chegada da expedição às terras da futura colônia, Edouard Schroeder, filho do Senador Schroeder, acompanhado de um amigo, Dr. Koestlin, passava pelo Rio de Janeiro em viagem de negócios quando – em tempos de comunicação difícil e demorada – somente aí recebeu a notícia da partida do primeiro navio emigratório de Hamburgo, com destino à nova colônia. Preocupado, resolveu verificar as condições em que seriam recebidos os primeiros colonos.

Em 28 de janeiro Edouard Schroeder e o Dr. Koestlin chegaram a São Francisco do Sul e no dia 1.º de fevereiro aportaram às margens lodosas do Rio Cachoeira. A travessia da Babitonga foi prazerosa, imprimindo boa impressão e vislumbres de bom futuro para o empreendimento. O Dr. Koestlin anotou suas impressões, que nos possibilitam, hoje, avaliar a expectativa de Edouard Schroeder:

Fileiras de garças brancas, azuis e mesmo vermelhas, assim como patos-d’água habitam essas paragens e os rochedos que aí se encontram espalhados […]. Ao longo, vêem-se as pitorescas montanhas costeiras e a impressionante queda do Piraí, que, distante quatro milhas das praias, se lança estrondosa e espumante serra abaixo […]. Depois de se ter saído da baía e tendo-se atravessado a pequena Lagoa Saguaçu, ingressa-se no rio em cujas margens há arbustos de mangue, sinal certo de terras pantanosas e sujeitas à maré. Mas dentro em breve, a margem se torna mais elevada à esquerda e a mata tropical, em sua virginal beleza, recobre solos secos. Centenas de palmitos dão prova de que a gente se encontra no Brasil, a pátria das palmeiras […]. A partir da confluência do Bucarein e do Cachoeira, onde se inicia a região da Colônia e onde se entra no Cachoeira, as margens se aproximam mais e mais, a floresta se curva por cima das águas e as colinas se achegam [...]. Justamente nessa confluência, até onde as embarcações costeiras podem chegar sem maior dificuldade, pretende-se erguer uma cidade que deverá ter o nome de Joinville! (in Ficker, 1965, p. 63-64. Transcrito do jornal alemão Hamburger Nachrichten, de 1851, em que o Dr. Koestlin relata os episódios da sua viagem).1

Ao desembarcarem, seu encantamento começou a se desfazer à medida que constatavam a existência de apenas uma picada aberta em direção a dois ranchos. Embora espaçosas, essas construções mal se comparavam com a descrição feita por Guenther em relatório enviado à Sociedade Colonizadora. Mais adiante depararam com as choupanas rústicas do engenheiro Guenther e dos colonos vindos do Rio de Janeiro, além da habitação de Léonce Aubé. Constataram, igualmente, que as poucas plantações existentes na clareira em nada correspondiam aos gastos excessivos de dinheiro da Sociedade, e a construção do caminho em direção à Serra Geral, que segundo o relatório já se iniciara, estava apenas no papel. Na verdade, quase nada havia sido plantado, e não havia acomodações suficientes.

Schroeder tomou a atitude peculiar a um competente empresário. Dispensou Guenther de imediato e assumiu a direção do empreendimento. Daí em diante o ritmo de trabalho intensificou-se. Com a derrubada das matas, a picada Jurapé tornou-se um caminho transitável e importante, uma vez que ligava as margens do Cachoeira com os ranchos. Esse caminho, que depois recebeu o nome de Mathias Strasse – porque cruzava o Ribeirão Mathias – e Hafenstrasse (Rua do Porto), atualmente é a Rua 9 de Março. Aí foram vendidos os primeiros lotes de terras, o que confere a essa rua grande importância histórica.

Para desespero de Schroeder, nos últimos dias de fevereiro ele recebeu a notícia de que havia atracado no porto do Rio de Janeiro um navio que se destinava à América do Norte. Mas o navio estava avariado, e os agentes resolveram enviar seus passageiros – 74 emigrantes noruegueses – para a Colônia D. Francisca, e já estavam a caminho. Diante disso, Schroeder mandou levantar mais ranchos e adquiriu, em São Francisco do Sul, mantimentos de primeira necessidade.

Quanto aos “pioneiros”, ao que parece, em nada eles facilitaram a vida de Schroeder naquela circunstância. Sérias divergências enfrentou o diretor com as duas famílias que deveriam ter iniciado a colonização. O casal von Knorring, que havia perdido sua filha Mathilde, por motivos não conhecidos foi despedido em 6 de junho de 1851. Em Magé (RJ) nasceu-lhes outra menina. Já Auguste Sophie von Knorring, após o falecimento do marido Ewert, em 1864, foi professora de Primeiras Letras em Brusque por mais de 34 anos consecutivos. Maria Catharina Schneider faleceu no dia 18 de maio, e Peter Schneider com sua filha Catharina abandonou definitivamente a Colônia em 29 de janeiro de 1852, voltando para o Rio de Janeiro.

  

Julie Engell - Uma passageira muito especial acompanhava o engenheiro Guenther quando de sua vinda para o Brasil, em fins de 1849. Sobre tal fato, Theodor Rodowicz-Oswiecimsky conta-nos, em sua obra A Colônia D. Francisca no sul do Brasil, que Guenther teria permanecido no Rio de Janeiro algum tempo e chegado à Colônia somente em 1850. Em setembro desse ano teria voltado ao Rio de Janeiro e providenciado, na agência da Casa Schroeder & Cia., roupas para um “pobre homem” que deveria acompanhá-lo como criado. Mais tarde descobriu-se que o tal criado na verdade era uma mulher, uma berlinense de nome Julie Engell, um anjo2 aventureiro que, vindo da Austrália e de passagem pelo Rio, se uniu a Guenther na volta à Colônia. São dela as gravuras publicadas no Leipziger Illustrirte e talvez os relatórios enviados àquele jornal, mostrando uma visão da colônia que provavelmente só existia na sua fantasia.

Santa Catarina. Colônia Brusque - Aqui desencadeou-se, recentemente, uma desavença entre o Padre católico Gattone e a professora Auguste v. Knorring. A última não parece ser suficientemente católica para o Padre, que por esta razão pediu ao Governo que transferisse a professora. Antes, porém, para ter certeza de realmente atingir seu objetivo, fez circular uma carta, recolhendo assinaturas para tal e na qual o comportamento da professora é acremente censurado (JoinvilleKolonie Zeitung, 5/2/1870)

1 Nas citações de obras publicadas foi mantida a grafia original; já nas traduções feitas por Thereza Böbel, como nos trechos do Kolonie Zeitung, e nos demais textos das autoras atualizamos a grafia conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Engel em alemão significa anjo.

 

 

 

 

 

 

JOINVILLE   NOS  ANOS 1950


Raquel S.Thiago .

 

Em março de 1950 – a população de Joinville era de 42.095 hab. ( fonte: Álbum do Centenário )

  

Pós-Guerra -  passados apenas cinco anos do final da IIa. Guerra Mundial , a  comunidade teuto-brasileira  ainda vivia sob o trauma da Campanha de Nacionalização . 

 

A década de 1950 -  será a da  retomada da comunidade teuto-brasileira da sua liberdade de ser germânico por sangue , mas fiel cidadão brasileiro , muito bem expresso nos   festejos do  Centenário de Joinville, em 1951 , com suas evocações à saga do imigrante. Mas o fantasma da censura à cultura germânica ainda rondava o cotidiano dos teuto-brasileiros , resultando em certa demora para a rearticulação da cultura em Joinville . Um exemplo é citado pela historiadora Elly Herkenhoff, que aponta para o fato de não ter havido nenhum  espetáculo de teatro durante os festejos  doCentenário da cidade em 1951 . De fato, a desarticulação da vida cultural não permitira uma produção teatral à altura da importância do evento  , apesar da existência de dois cinemas, novas sedes de clubes sociais e dezenas de associações  culturais que tentariam  se reorganizar por toda a década de 1950. Tratou-se, também de resgatar a saga da imigrante germânico, abalada na campanha, e cria-se o Museu Nacional de Imigração e Colonização em 1957 .  

Por outro lado , a parte externa do  Mercado Público recebia, em 1956 , a primeira grande intervenção, quando  foi totalmente descaracterizado do estilo de tendência portuguesa . Daí em diante o Mercado passou a exibir uma fachada de tendências modernistas, à moda de Niemeyer, seguindo o exemplo de Brasília,  embora modestamente.  

 Nas artes plásticas tínhamos atuações de valor, mas isoladas. Apesar dos talentos que despontavam aqui e ali, não havia espaço  para o fazer artístico nos anos cinqüenta, contornado pela oportunidade que os artistas tinham de expor seus trabalhos na  Exposição de Flores e Artes Domiciliares(EFA) , criada em 1936 . Nos anos 1950 a EFA apresentava-se no auge das suas atividades , despontando como um marco. Foi o espaço criado pela EFA que reuniu pela primeira vez obras de arte domiciliares, objetos raros e artes plásticas num só local, quando foi possível, então, ter-se uma idéia do aparato cultural  da elite joinvilense. Tínhamos então o escultor Fritz Alt ,  o pintor Eugênio Colin e  Victor Kursancew , ucraniano que chegou em 1952 , preparando a cidade para oboom  cultural dos anos 1960.  

Economia – No Brasil , as duas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial , tiveram um significativo aumento da produção fabril . Vivia-se um clima de intensa euforia , a partir do governo Kubitschek e seu famoso “plano de metas “, com Brasília como meta síntese .  Esta situação refletiu positivamente na Joinville dos anos  1950,  que apresentava  um aparato industrial apto a acompanhar qualquer onda de crescimento em níveis mais amplos . Com isso, temos , também , nos anos 1950, intenso movimento de urbanização , bem lembrado pelos mais antigos que destacam o  calçamento das grandes avenidas, com o Prefeito Dr. João Colin à frente . Inúmeras empresas foram fundadas e progrediram nos anos 1950, a começar pela  Cônsul  , Metalúrgica Douat  , Campeã e  Afonso Meister S.A , só para citar as que foram fundadas em 1950 . Por toda a década Joinville ganharia novas indústrias e continuaria na década seguinte, principalmente em função dos incentivos proporcionados pelos governos militares . Crescia também o setor de serviços e comércio, mas definitivamente naquela época o que capitaneava a economia joinvilense era a indústria, com seu operariado ainda quase todo joinvilense.  

 

Política - Na década de 1950 a política joinvilense desenhava-se de acordo com o multipartidarismo instalado no Brasil após a queda de Vargas . Os principais partidos eram PSD, UDN , PTB e PRP . Foram prefeitos neste período Rolf Colin ( 1951-1956 – UDN) ; João Colin ( 1956-57 – UDN) ; Dario Geraldo Salles ( 1957-1958- ?  ) e Baltasar Buschele ( 1958-1961 – PSD ) .  

Nesse aspecto tenho apenas lembranças de criança, pois não fiz estudo específico. Lembro das campanhas de João Colin ( UDN) X Jota Gonçalves (PSD) , lembro também do Dr. Rodrigo Lobo como Presidente do PTB. Foi na década de 1950 que Getúlio Vargas esteve em Joinville, e discursou da sacada do cartório de Rodrigo Lobo, na rua Engenheiro Luis Niemeyer , creio para a eleição presidencial de 1953. Em simples análise, percebo que parte do empresariado joinvilense apoiava o PSD , e acabaram por eleger Celso Ramos , pois estavam cansados de reivindicar para Irineu Bornhausen (UDN) projetos de infra-estrutura de que tanto precisavam para suas indústrias . Bornhausen tinha uma visão mais tradicional, e nas campanhas preocupava-se com receitas/despesas . Já Celso Ramos, foi no embalo desenvolvimentista de JK e apresentou um Planejamento de Governo a exemplo do Plano de JK, após um grande seminário sócio-econômico . Isso garantiu-lhe o apoio de grande parte do empresariado catarinense . Em Joinville , Wittich Freitag e Baltasar Buschele militavam pelo PSD, apoiando Celso Ramos . Baltasar foi prefeito ainda nessa sigla,  ( 1958-1961) , portanto ainda na década de 1950 . O Deputado Federal Lauro Carneiro de Loyola ( 1959-1962 ) militava pela   UDN ,  assim como o Deputado Federal  Plácido Olímpio de Oliveira ( 1951-1954) .  O Senador Carlos Gomes de Oliveira pertencia aos quadros do PTB, e orgulhou Joinville quando , na condição de  Presidente do Senado , em 1955, presidiu a maior  solenidade política da República, ou seja a de posse do Presidente Juscelino Kubitschek .

 

 

 

Discurso proferido por ocasião da 10ª Feira do Livro , em 2010, na praça Nereu Ramos por Raquel S.Thiago.

Saudações....

Desde a primeira edição desta feira, esta praça retoma, no meu imaginário, os significados da minha infância. Era aqui, na Praça Nereu Ramos, que meus pais e outros casais traziam os filhos para brincar enquanto eles ouviam  a retreta executada pela Banda do 13º Batalhão de  Caçadores  .  Havia mais árvores, e o chão era coberto com pedrinhas brancas, caquinhos de mármore, talvez.  Ao corrermos, as pedrinhas emitiam um som do qual eu nunca esqueci. Hoje, apesar das mudanças,  da falta das pedrinhas  e das frondosas árvores , é nesta praça ,   durante o período da Feira do Livro que  torno a sentir uma espécie de felicidade  , uma alegria infantil que evoca  aqueles tempos, neste mesmo lugar . É como se as pedrinhas subitamente tivessem se transformado em livros, muitos livros, como se eu não tivesse vivido uma vida inteira , crescido, tido filhos, escrito livros e até , plantado árvores ....  .

Faço estas confissões apenas para dar uma medida do meu contentamento com o convite que me distinguiu como Patronesse desta edição da Feira. Então, antes de tudo quero deixar registrados meus agradecimentos à comissão organizadora e à Suely Brandão pela lembrança do meu nome. Confesso que nunca pensei em ocupar um posto tão importante, realmente fiquei surpresa. Ser madrinha de um evento que evoca o mundo dos livros, o mundo do saber, do conhecimento, do imaginário é muito honroso para mim.

 Especialmente porque em Joinville, apesar de a feira estar crescendo ano-a-ano, muita coisa há que se fazer ainda pela leitura. Este evento é importantíssimo para nossa cidade, cuja marca da objetividade é muito forte.     Não tivemos, aqui, as benesses das grandes capitais onde a máquina administrativa, abrigava poetas, escritores, filósofos, artistas, de modo que eles tivessem tempo, em seu dia-a-dia, para suas produções intelectuais. Aliás, nessas cidades, as discussões intelectuais faziam parte do cotidiano, nas praças, nos cafés, nos clubes, nas esquinas. Em cidades como a nossa, isso não foi possível.

  Colonizada por povos germânicos, a partir de 1851, há somente 159 anos, portanto , Joinville desenvolveu sua história com base em muito trabalho, trabalho árduo ,que não permitiu  a formação de um berço intelectual sólido e perene  . Esta   tradição foi    apropriada e  recriada  pelos migrantes nacionais que a partir da década de 1960 vieram em massa para Joinville em busca , é claro, de trabalho . Por este motivo, digo que Joinville é a Terra Prometida. É o outro lado da moeda.

 A vida cultural joinvilense passou por diversas fases, conforme o desenvolvimento do  seu processo histórico.  Nos primeiros anos da colonização, os imigrantes dividiam-se entre sua pátria que já não podia sustentá-los e o Brasil que ainda não os reconhecera como cidadãos. Assim, nos primeiros tempos da colônia  o esforço direcionava-se para a reafirmação e recriação da cultura e das instituições germânicas . Não sem motivo, pois, já em 1856 começavam a surgir as associações culturais, fazendo prevalecer as instituções e a cultura germânica, por força do Deutschtum , como base   para a manutenção da nacionalidade alemã , e   parte da   bagagem trazida pelos  imigrantes pioneiros . No entanto este quadro   não resistiu à campanha de nacionalização empreendida pela ditadura Vargas  na primeira metade do século vinte . Nos anos seguintes ao término da Segunda Guerra Mundial ,no entanto ,  muito silenciosamente, a cultura joinvilense se reinventava , culminando  no boom cultural dos anos 70 . Numa simbiose entre o movimento cultural da cidade  e o poder público, desde os anos 50 vinha sendo   criada a base de sustentação para as manifestações culturais , como a Casa da Cultura , O Museu de Arte de Joinville, o Museu de Sambaqui , o Arquivo Histórico de Joinville ,   Museu da Imigração , a Biblioteca Pública Rolfa Colin.... e por aí vai.  Mas , apesar de desses  avanços,     paira, ainda, uma leve sombra sobre o fazer cultural que a cidade, como um todo, ainda tem dificuldade de absorver  como mais um modo de viver , como se as coisas do espírito , do abstrato , da fantasia , contido em todas as manifestações culturais  , não fossem  elementos vitais para a existência  humana .  Daí a importância deste evento .

Se  compararmos o período de transposição da cultura européia, nos primeiros anos da colonização , quando a população não passava dos quatro dígitos,  o número de leitores   parece  proporcionalmente maior do que a que temos hoje em dia , com cerca de quinhentos mil habitantes . Em 1859, a colônia abrigava cerca de 2500 habitantes ,    entre os quais um bom número de leitores que traziam obras literárias e científicas da Europa. Não por acaso, o imigrante Heinrich Gramlich,  recomendava-se como encadernador de livros  ao público leitor do jornal  Kolonie  Zeitung , em 1863 .

Numa das entrevistas que realizei  com a saudosa Elly Herkenhoff,  descendente de imigrantes e historiadora  da imigração, entre outras coisas  ela me contou que seu pai tinha uma biblioteca  – porque na verdade, disse ela – entre os imigrantes alemães eram poucos os analfabetos , mas por outro lado era difícil todos eles comprarem livros .... Então seu pai comprou uma biblioteca de um imigrante que deixara  a colônia , e passou a alugar os livros. As pessoas iam à sua casa, assinavam um recibo do livro, e, na devolução,  pagavam a taxa do empréstimo  . Poderíamos dizer que esta foi a primeira biblioteca  - quase – pública  de Joinville .Eu diria Pública de direito privado... .

  Em 1913, quando ficou pronta a sede do Clube Joinville , o clube da elite luso-brasileira ,  aqui perto, onde está hoje a Casa Sofia – Ignácio Bastos, diretor social do clube, fundou a primeira bilblioteca em português , e também  um grupo de teatro   que ensaiava nas dependências do clube. Este avanço cultural da parte   luso-brasileira da população, teve significativa  influência dos intelectuais de São Francisco do Sul ,  naquela época importante cidade do estado, e onde não faltavam   poetas, escritores, historiadores ...que podiam dar  vazão aos seus dotes , agraciados que eram com as benesses dos seus empregos públicos .

 Somente em 1952,  com o apoio do então Prefeito  Rolf Colin, seria inaugurada a Biblioteca  Pública de Joinville   em duas salas alugadas numa casa que pertencia à família Rischlin, na Rua do Príncipe , resultado de  um trabalho quase solitário do Coronel Alire Carneiro , que , amigo do Prefeito Rolf Colin, conseguiu sensibilizá-lo  para o fato  de Joinville ,  passados  cem anos da sua fundação, ainda  não oferecer , de fato,  os imensos benefícios de uma biblioteca  pública onde os joinvilenses pudessem buscar  conhecimento  , o local onde o prazer da leitura estivesse em primeiro plano .   Foi em  1955 ,  ainda na gestão do Prefeito Rolf Colin,  que  a biblioteca   foi transferida para um prédio especialmente construído para abrigá-la,  no Jardim Lauro Müller. Neste ano de 2010 , o prédio completa 55 anos , e a biblioteca 58.    De 1945, quando  a biblioteca foi criada por lei, até que existisse de fato, a partir de 1952, o Coronel   Alire  foi reunindo o acervo, que se ampliou quando a Prefeitura comprou a biblioteca do Clube Joinville  .   Então essa biblioteca junto com o pequeno acervo já existente, mais os livros que a seguir foram adquiridos , possibilitaram à  Prefeitura abrir as portas para os leitores .

Um fato interessante : não sei se propositalmente ou pela disponibilidade do terreno, o fato é que o marco geodésico da cidade , que estava  no Jardim Lauro Müller, acabou ficando  no hall da biblioteca  , tornando-se  não somente o centro do   espaço físico da cidade, mas também  , um marco , um centro irradiador de conhecimento  .  Mas temos problemas: nossa biblioteca , nos dias atuais, está aquém das necessidades de uma cidade que se inscreve como a mais importante do Estado , com seus milhares de estudantes e seu crescente papel de pólo  universitário . Há, um descompasso entre a Biblioteca Públic  e a cidade de Joinville . 

Tenho percebido, contudo , que tanto as autoridades como  os  produtores culturais  , ultimamente têm suas atenções significativamente voltadas  para esta situação . Há uma vontade explícita do poder público  de finalmente conferir à nossa biblioteca  a devida importância, dado seu  papel de  centro irradiador de conhecimento . Uma sinalização promissora , também,  é o comprometimento   da Fundação Cultural de Joinville tanto com a Biblioteca que é da alçada da Secretaria da Educação, como com a Feira do Livro .

Não tenho dúvida de que a Feira do Livro, que vem acontecendo há sete anos, tenha instigado a população  no  sentido da valorização da leitura .  Gosto muito de passear por aqui, durante a feira e observar as crianças nos stands a folhearem livros com  visível avidez. Também gosto de ver idosos em busca de novidades, assim como os adultos de todos os níveis sociais confundirem-se num mesmo espaço a discutirem sobre os mais variados assuntos .  Enfim , a Feira do Livro de Joinville a cada ano vem se configurando como   uma  festa  feita com uma  profusão de eventos , oficinas , palestras , seminários i , bate-papo com autores  nacionais e locais   em meio aos stands que colocam à nossa disposição uma imensidade de títulos .  Reparem  nos  semblantes dos que visitam a feira:  os  olhares expressam um  certo ar de felicidade , porque, enfim, algo de transcendente lhe está sendo oferecido  .... Nessa ótica , e para finalizar leio  para vocês  uma poesia de Clarice Pacheco  que diz:

Viajar pela leitura

sem rumo, sem intenção.
Só para viver a aventura
que é ter um livro nas mãos.
É uma pena que só saiba disso
quem gosta de ler.
Experimente!
Assim sem compromisso,
você vai me entender.            
Mergulhe de cabeça 
na imaginação! ( Clarice Pacheco )

 

Sejam todos benvindos à Feira-do Livro

 

 

MERCADO MUNICIPAL : MEMÓRIA  AOS PEDAÇOS

 

 Raquel S.Thiago

 

         Nada reflete melhor o cotidiano de uma cidade do que o seu Mercado Municipal .  Ali se discute política, futebol e religião na mesa do boteco, no balcão da peixaria, da verdureira , na barbearia  e na  banca do jogo do bicho , esta levando ao ambiente um ar de contravenção.   Habita o Mercado um imaginário variado e colorido. Em Joinville tornou-se, em um século, também, o lugar do lazer e da gastronomia, tudo misturado ao comércio, a principal artéria por onde corre a animação da venda, da compra, da troca, da novidade. O Mercado Municipal  é a cidade abreviada.

 

         Em 1907 , quando foi inaugurado, Joinville contava com cerca de vinte mil habitantes, e passava por uma fase efervescente de crescimento econômico e desenvolvimento. A modernidade insinuava-se exibida, ousada, se não radical, mas prometendo mudanças importantes.

 

       Mas essas mudanças estariam comprometidas em seu sucesso se na esfera política não se promovessem, igualmente, alguns acertos.    Após mais de uma década do término da Revolução Federalista que aprofundara a cisão política que vinha já dos primórdios da República, finalmente em 1905 consolidou-se a fusão partidária em torno do Partido Republicano. Desenhava-se, assim, o rumo que afinal, com raríssimas exceções, trilharia a política brasileira na Primeira República, com Partido Único, fortalecendo as oligarquias locais.

 

        Em Joinville os benefícios dessa política chegariam aos comerciantes e industriais envolvidos com o beneficiamento e exportação da erva-mate e da madeira, cujo poder econômico estendeu-se para a esfera política. Foi a fase do poder luso-brasileiro, da sua influência, que acabou por refletir até na arquitetura da cidade daquele período, estampada nas fachadas de diversos prédios públicos (principalmente) construídos no início do século, em estilos muitas vezes indefinidos, mas de tendência portuguesa, puxando para o  neoclássico ou o eclético  .

 

        O Mercado Municipal  insere-se nesse contexto, para formar com o Moinho Boa Vista (1913) e o Porto do Cachoeira , o trinômio que desenharia a cara daquele espaço urbano, cujo burburinho do comércio de peixes , frutos do mar e  produtos agrícolas  era acompanhado pelos barulhos das gentes de todos os cantos , comerciantes , donas de casa,  agricultores,  pescadores, os pinguços  . Alguns desses últimos fazem parte do folclore urbano, cujas histórias tragicômicas aguardam um historiador para recuperá-las, não sem antes buscá-las nas memórias ainda existentes.  Tempos adiante, o Mercado incorporaria o lazer, com o chorinho e o samba das quintas e sábados do século vinte e um.  

 

                A construção do Mercado não aconteceu sem que houvesse intensas discussões, como as que acontecem nas comunidades, quando o assunto é de interesse público. Já no final do século dezenove, o Superintendente Municipal, ou Prefeito, como se diz atualmente, Frederico Brustlein, (1887-1890), propusera que fosse construído num terreno de sua propriedade, no final da atual Rua Jerônimo Coelho. Na época era Rua Paris. Mas a comissão encarregada de estudar e projetar a construção não concordou, alegando que o terreno era um charco que inundava com facilidade, de acordo com as marés, um problema que ainda hoje, por vezes, se manifesta. E o assunto ficou por aí.

 

         Em 1906 novamente entrava em pauta a construção do Mercado Municipal, e as discórdias quanto ao local continuavam. Dessa vez havia uma forte corrente da população  favorável à construção no final da Rua 9 de Março. Não foram poucos os sinais de protesto, quando a Câmara Municipal , seguindo os interesses de outra corrente, certamente a dos luso-brasileiros, resolveu que o Mercado deveria ficar às margens do Rio Cachoeira, no mesmo local do aterro feito um ano antes, na gestão de   Procópio Gomes,     junto ao porto, onde de fato foi edificado.

 

        Em um século  a cidade passou por várias transformações, com continuidades e rupturas, que acabaram por modelar seu perfil multicultural. Após a abertura da Estrada Dona Francisca (1876) Joinville cresceu como um núcleo próspero que acabou por atrair brasileiros para as redondezas, além de fixar e fazer prosperar os que estavam na Colônia Dona Francisca desde a sua fundação. Diz Carlos Gomes de Oliveira que nessa época “(...) os caboclos continuariam a afluir em maior escala para o rumoroso centro em que se constituíra a Colônia (...)”. De fato, a Estrada Dona Francisca, facilitou o acesso de produtos do planalto ao porto de São Francisco do Sul, principalmente a erva-mate, beneficiada em Joinville e exportada para Argentina, Uruguai e Chile.

 

        Não por acaso, foi em pleno ciclo da erva-mate que se inaugurou, além do Mercado Municipal, o Hospital de Caridade (1906), Energia Elétrica ( 1909) , Estação Ferroviária (1910) , Moinho Boa Vista (1913) ,   a sede do Clube Joinville ( 1913) , um sinal da importância econômica e social do grupo luso-brasileiro que se juntara aos descendentes dos imigrantes germânicos na tarefa do desenvolvimento da cidade .

 

         Procópio Gomes de Oliveira, ervateiro e sócio diretor da poderosa Companhia Industrial, ao lado de Abdon Baptista, foi o mais importante protagonista dessa fase, como Prefeito de Joinville em duas ocasiões, de 1903 a 1906 e de 1911 a 1914. .Em sua gestão foi construído o Mercado.  Há duas décadas, a construção de um mercado público vinha sendo objeto de discussões no Conselho Municipal que reconhecia a necessidade de um local onde se pudessem comercializar os produtos locais e das redondezas. É justo, portanto, que citemos, entre outros nomes importantes, o de Procópio, que deixou sua marca indelével de administrador público e empreendedor.

 

        Há um trabalho importantíssimo sobre  essa fase da história de Joinville, publicado em 1984. Trata-se do livro intitulado “Integração” de autoria do Senador Carlos Gomes de Oliveira. Da página 102 selecionei este trecho que ilustra com seriedade aquela fase e a obra de Procópio Gomes: 

Havia construções fora do alinhamento, ruas que não tinham a largura exigida; às margens dela abriam-se valetas mal-cheirosas, às vezes. Ali, no porto, o Cachoeira se espraiava num mangal pantanoso que era a chaga na vida de uma cidade. E ei-lo, o Superintendente Procópio Gomes , a promover desapropriações, a alargar ruas que , olhando o futuro, ele queria transformar em avenidas , como o fez  com a atual Avenida Getúlio Vargas  e com aquela a que justamente  deram o seu nome (...) Promove  a canalização de valetas e sobre elas inicia a construção de passeios. Fez o  aterro na ampla área do porto em que está a Praça Hercílio Luz, e constrói a maior parte do cais (...) ” .    

 

        O Mercado Municipal de Joinville em sua arquitetura original materializou, certamente, o ciclo econômico e político da erva-mate e do poder luso-brasileiro em Joinville.  Falava da sua época. Todavia sofreu duas grandes intervenções que o descaracterizaram, roubando-lhe a memória do contexto em que foi construído.

 

         A primeira grande intervenção deu-se entre 1956 e 1957 , quando Joinville passava por novo ciclo de intenso desenvolvimento , em consonância com o que ocorria no país. O Brasil saíra da Segunda Guerra Mundial em condições efetivas de avançar no seu processo de industrialização por substituição de importações, principalmente nas cidades cujas indústrias estivessem aptas a se desenvolver. Joinville era uma delas.         À medida que a produção industrial crescia, acelerava-se o processo de urbanização, com visíveis transformações no centro da cidade. Quem , entre os mais idosos , não lembra ou pelo menos não ouviu falar do Prefeito João Colin, na sua faina pelo calçamento das principais avenidas, inclusive aquela que a exemplo de Procópio Gomes   leva seu nome ? Dir-se-ia que a escalada desenvolvimentista da “Era JK”  que apenas estava começando, antecipara-se em Joinville. E o Mercado Municipal  mais uma vez tornou-se símbolo de uma época, com sua cara transmutada para a do Brasil de Niemeyer, passando a exibir-se numa roupagem arquitetônica modernista dos anos cinqüenta.           Imprimia-se, assim, a marca de Joinville do pós-guerra , quando finalmente se recuperava e se consolidava a idéia da colonização como um empreendimento de enorme sucesso , mas ainda traumatizada com a Campanha de Nacionalização, portanto ainda em arquitetura à moda brasileira.  Novas memórias estavam sendo construídas.

 

         A partir dos anos setenta o país parecia redescobrir-se historicamente. Quem sabe  por influência do chamado milagre brasileiro, ou ainda do discurso dos governos militares em torno de um  Brasil-Potência-Mundial-Emergente  , ou, ainda, pela perspectiva da  abertura política que inundava de esperança corações e mentes dos brasileiros em direção à democracia , à liberdade de imprensa, à liberdade de se (re­) escrever a  história ,  o fato é que se criou um clima nacional em favor da memória histórica . Em Joinville, palestras e exposições tornaram-se freqüentes nos meios intelectuais . Não por acaso, é do início da década de 1980 o projeto Inventário das Correntes Migratórias promovido pelo IPHAN, com participação da Universidade Federal de Santa Catarina, e da então FURJ (atual UNIVILLE) .

 

        Como,  nesse tempo, em Joinville a memória hegemônica era a da imigração, a casa em enxaimel, a simbolizando a saga do colono europeu, acabou por transformar-se em modismo romântico de classe média e tema privilegiado do discurso político. Foi assim que em 1982 o nosso Mercado  ganhou nova feição, dessa vez a do colono rústico, mas ordeiro e caprichoso, como demonstram as floreiras que, sinal dos tempos, ostentavam (e ainda hoje) mimosas flores artificiais, de acordo com  a geléia geral da pós-modernidade. Dos anos oitenta em diante, pois, temos um Mercado-Símbolo de uma cidade que, superado o trauma da nacionalização, já não precisa esconder, pelo contrário, se orgulha da suas origens germânicas.

 

      Aos cento e um anos de existência, o Mercado Municipal de Joinville acompanha a trajetória da cidade e da história, mostrando sua cara de acordo com os diferentes contextos sócio-econômicos e políticos, com respingos evidentes das turbulências da Europa Ocidental. Hoje se transforma por dentro, refletindo um novo tempo, trazido pelo processo migratório da segunda metade do século vinte. Sua cara está lá, germanizada, mas seu interior reflete as transformações culturais da Joinville do século vinte e um , com o samba, o chorinho, o jazz, o vaneirão , e a marchinha das oktoberfests , tudo em meio aos odores e sabores   de uma    gastronomia igualmente  plural .   Dir-se-ia que a memória é construída aos pedaços.

 

       

 

Referências bibliográficas   
GOMES DE OLIVEIRA,Carlos. Integração – estudos sociais e históricos – Joinville . Florianópolis: Gráfica Canarinho, 1984.   
S.THIAGO, Raquel . Coronelismo Urbano em Joinville – O Caso de Abdon Baptista. Florianópolis: Edição do Governo do Estado de Santa Catarina, 1988. 

_________________. Joinville - Cultura e História . In: Joinville – 150 anos.  Instituto Joinville : Editora Letra d’Água , 2001.  

__________________ Patrimônio Histórico. Artigo : Jornal A Notícia, agosto de 1982.  

Álbum Histórico do Centenário de Joinville . 1851 – 1951 . Sociedade Amigos de Joinville ( org.) Curitiba: Gráfica  Mundial Limitada, 1951.

     

Subsídios Históricos *

Texto e tradução de Rosa Herkenhoff

 

Atendendo à consulta de um leitor joinvilense, interessado em saber detalhes a respeito do grau de parentesco entre os Príncipes de Joinville e seus herdeiros, citados no “Álbum Histórico do Centenário de Joinville, à página 21, transcrevemos abaixo o referido trecho, seguido de dados genealógicos da família dos Príncipes de Joinville.

“ Pelo falecimento daqueles Duques de Chartres e Duque de Pènthievre, o Domínio Dona Francisca passou aos herdeiros Sr. Jean Pierre Clement Marie d’Orléans, Duque de Guise, Marguerite Louise Marie Françoise d’Orléans, Marquesa de Mac Mahon e Duquesa de Magenta. Aage Christian Alexandre Robert, Príncipe de Dinamarca. Axel Christian Georges, Príncipe da Dinamarca. Erick Fréderick Christian Alexandre , Príncipe de Dinamarca. Viggo Christian Adolphe, Príncipe de Dinamarca. Marguerite Françoise Louise Marie Helène, Princesa de Dinamarca”.

Dados genealógicos

Louis Philipe I, Rei da França, nascido em 1773 em Paris, falecido em Claremont ( Inglaterra ), casado com Marie Amélie, filha do Rei Fernando I das Duas Sicílias e de Maria Carolina (1809). O casal teve oito filhos:

1)     Duque D’Orléans, falecido em 1842 em Neully (acidente).

2)     Louise, Rainha da Bélgica

3)     Marie, Princesa de Wuertemberg

4)     Duque de Nemours

5)     Clementine de Saxen-Coburgo

6)     François, Príncipe de Joinville

7)     Duque d’Aumale

8)     Duque de Montpensier.

 

François-Ferdinand-Philippe-Louis Marie d’Orléans, Príncipe de Joinville, nascido em 1818 em Neully-sur-Seine, falecido em 1900 em Paris, terceiro filho homem do rei Louis Philippe. Em 1843 casou no Rio de Janeiro com Dona Francisca, Princesa de Bragança, filha de D.Pedro I, Imperador do Brasil e Dona Leopoldina. O casal teve dois filhos: Françoise Marie d’Orléans, nascida em 1844 em Paris e falecida em 1925 em Saint Ferrière e Pierre-Philippe d’Orléans, Duque de Penthièvre, nascido a 4 de novembro de 1845 em Saint Cloud e falecido em 1919, sem deixar descendentes.

Françoise Marie d’Orléans em 1863 casou com seu primo, Robert-Phillipe-Louis-Eugène-Ferdinand d’Orléans, Duque de Chartres, nascido em 1840 em Paris e falecido em 1910, segundo filho do Duque d’Orléans e da Princesa Hélene. Os Duques de Chartres tiveram quatro filhos: ( Netos do Príncipe de Joinville ):

             Neto 1) Marie, Princesa d’Orléans, nascida em 1865 e falecida em 1909. Em 1885 casou com Waldemar, Príncipe da Dinamarca, nascido em 1858 e falecido em 1939. Tiveram cinco filhos (bisnetos dos Príncipes de Joinville).

             Bisneto 1) Aage, Conde de Rosenborg, nascido em 1887 e falecido em 1940. Em 1914 casou com Mathilde Calvi de Bergolo, nascida em 1885, tendo o casal um filho( trineto dos Príncipes de Joinville), nascido em 1915: Waldemar.

 

              Bisneto 2) Axel, nascido em 1888. Em 1919 casou com Margaretha, Princesa da Suécia , nascida em 1899. O casal teve dois filhos : Georg, nascido em 1920 e Flemming, nascido em 1922.

               Bisneto 3) Erik, Conde de Rosenborg, nascido em 1890. Em 1924 casou com Lois Booth, nascida em 1897. O casal teve dois filhos: Alexandra, nascida em 1927 e Christian, nascido em 1932.

                Bisneto 4) Viggo, Conde de Rosenborg, nascido em 1893. Em 1924 ccasou com Eleanor Green, nascida em 1895.

                Bisneto 5) Margarethe, nascida em 1895. Em 1921 casou com Renatus, Príncipe de Bourbon-Parme, nascido em 1894.

                Neto 2) Henri, nascido em 1867 e falecido em 1901.

                Neto 3) Marguerite, nascida em 1869 e falecida em 1927. Em 1896 casou com Patrice de Mac-Mahon, Duque de Magenta.

                Neto 4) Jean, Duque de Guise, nascido em 1874 em Paris e falecido em 1940 em Larache. Em 1899 casou com a Princesa Isabelle d’Orléans, nascida em 1878. O casal teve quatro filhos( Bisnetos dos Príncipes de Joinville):

                Bisneto 6) Isabelle, nascida em 1900. Em primeiras núpcias casou com o Conde Bruno d’Harcourt, falecido em 1930. Em segundas núpcias , em 1934, casou com o Príncipe Murat.

                Bisneto 7) Françoise, nascida  em 1902. Em 1929 casou com Cristophe, Príncipe da Grécia.

                Bisneto 8) Anne, nascida em 1906. Em 1927 casou com Amédée de Savole-Aosta, Duque de Ouilles, falecido em 1842.

                Bisneto 9) Henri, Conde de Paris, nascido em 1908. Em 1931 casou com Isabel d’Orléans e Bragança. O casal teve cinco filhos: (trinetos dos Príncipes de Joinville) : Isabelle, Henri, Heléne, François e Anne.

 

N.A. - Os dados acima foram extraídos das Enclopédias: Larousse Du XX e Siècle, editada em Paris, França, e Brockhaus Konversations-Lexikon, editado em Leipsig, Alemanha, 1882.

 

*Este texto foi publicado em Jornal ( desconhecido) em 23 de junho de 1979  , e entregue a mim pela Hisotiradora Ely Herkenhoff, irmã da autora.