IMIGRAÇÃO GERMÂNICA
IMIGRAÇÃO GERMÂNICA

 

 

Emigração: o olhar alemão

No texto a seguir, o jornal Illustrirte Zeitung, de Leipzig, em 1851, analisa a emigração do ponto de vista econômico e social.

A Colônia Dona Francisca na Província de Santa Catarina, Brasil

 

Há vários anos um assunto referente à nossa pátria alemã preocupa profundamente nossas mentes e, quando importantes temas estão em discussão, sempre há espaço para que sejam expostos. Esse assunto é a emigração. Foram baixados decretos para proteção dos emigrantes, mas, por mais benéfica que seja sua atuação, não podem garantir conselho nem orientação. Por essa razão, foram criadas associações de aconselhamento, de modo a facilitar o transporte dos emigrantes e a escolha do destino da emigração, e empresas colonizadoras para dirigir seu assentamento. Há ainda um outro princípio, qual seja, o especulativo, e é neste que, com uma boa direção, se baseia o principal sustentáculo para seu sucesso, pois, fundadas em utilidade, boas condições naturais e a superação de dificuldades, diante das quais o emigrante isolado sucumbiria, as especulações são em grande parte do interesse do próprio emigrante, e quem não se associaria com prazer ao ver que, na mesma medida que tem sucesso, também incentiva os fins benéficos, tão insistentemente abordados?

Vendo-se as multidões que ano a ano migram em direção ao oeste, qualquer pessoa que tenha um mínimo de sentimento deve encher-se de preocupação: não estaria uma grande parte dessas pessoas, principalmente as mais pobres, caminhando em direção da amarga decepção de suas esperanças e da desgraça certa? Não estariam sendo uma presa fácil do egoísmo mais vil, em virtude de sua boa-fé e inexperiência, e da desconfiança que nutrem com relação às classes mais abastadas? Infelizmente a experiência tem confirmado tal preocupação. Milhares dos mais pobres sucumbiram na dor e desgraça; milhares de famílias foram separadas, para fugir das necessidades mais prementes, e outros milhares, acostumados em sua pátria a uma vida independente, foram obrigados a desistir de suas ocupações habituais, para garantir a sobrevivência com trabalhos que antes desprezavam.

Somente por meio da colonização é possível orientar os mais pobres no sentido de garantir sua independência e desviar deles problemas e perigos não diretamente ligados à emigração, proporcionando-lhes aquelas vantagens que só meios de maior vulto e forças unidas podem conseguir.

Mas há ainda uma outra circunstância igualmente importante, que também incentiva a colonização. É a situação atual da própria emigração.

Se deixarmos de lado um certo número de pessoas das classes mais cultas que, por motivos políticos ou outros, são levadas a deixar o país, veremos que a grande maioria dos emigrantes pertence às classes menos favorecidas e abandona a pátria pela insatisfação com sua situação material. Mesmo que a disparidade entre ganho e necessidade resida na má distribuição de mão de obra, na falta de capital ou mesmo em exigências exageradas, o fato não pode ser negado. É certo também que, graças à diminuição da mão de obra em virtude da emigração, aumentem e sejam facilitados os ganhos dos que ficam, e tal certeza contribuiu para que se visse na emigração um meio acertado contra a pobreza, o que realmente poderia ser.

Mesmo que as condições pareçam exigir que uma parte da população deixe a pátria, surge a pergunta: Quem deve emigrar, para provocar o efeito desejado? A Alemanha não tem excesso de população, apenas um aumento populacional nas classes menos favorecidas e, por causa da desmedida concorrência nessa classe, exagerada quantidade de pobres e pessoas de baixo poder aquisitivo. Grande número de pessoas às quais o futuro não haverá de sorrir, que por mais que trabalhem não têm perspectiva de juntar forças para os tempos da velhice e fraqueza e que por essa razão se deixam levar por total desânimo. Para esses a emigração seria um benefício, visto que sua situação poderia ser facilmente melhorada e, com as poucas pretensões que têm, certamente sentir-se-iam felizes em condições que aqui seriam insuficientes para garantir-lhes uma situação segura. E são justamente esses que, por serem em grande número, pesam ao estado e cujo afastamento seria importante para eles próprios e para a nação.

Apesar de essa classe não ser a mais desvalida, está a um passo da decadência moral. Mais importante que antes é necessário o incentivo da emigração dos pobres, pois antigamente, quando eles encontravam abrigo nos exércitos comprados, não havia tantos motivos de evitar seu aumento.

Mas, enquanto a emigração não receber incentivo, justamente aqueles para os quais ela seria um benefício não têm como emigrar, pois, mesmo que dispusessem de meios para custear a viagem, não teriam como empreender uma emigração, sem arriscar seu destino e o dos seus, visto faltarem-lhes os altos custos necessários ao assentamento em uma terra totalmente estranha, garantindo-lhes o sustento no primeiro ano. É com toda razão, portanto, que todas as associações, todos os jornais dirigidos à emigração previnem as famílias pobres contra a emigração, e pelo mesmo motivo a emigração consiste naqueles de maior poder aquisitivo das classes mais baixas e de pessoas que, tendo os meios necessários, poderiam garantir sua permanência na pátria com trabalho e afinco se não expulsassem os mais pobres com a desmesurada concorrência. As pesquisas mais apuradas revelaram que os cerca de 60 a 80.000 emigrantes que anualmente deixam a Alemanha levam junto um capital de, no mínimo, 15 milhões de táleres prussianos em moeda corrente. Essa grande evasão anual de tesouro nacional está totalmente perdida para a Alemanha e serve apenas para enriquecer países estrangeiros e fazer concorrência aos produtos alemães. Uma emigração nesses moldes, altamente duvidosa por si só, não pode atuar como remédio contra a pobreza, pois, quando os empregadores emigram, não aumentam os ganhos dos operários, pelo contrário, diminui o seu poder aquisitivo, e o problema não é afastado, cresce a cada ano, porque não é o número de pessoas, mas o capital que favorece o trabalho e os salários pelo trabalho. Até o capital mais pulverizado provoca esse efeito, e a sua evasão faz sentir seus prejuízos em alguma área, mesmo que pelo reduzido tamanho não sejam sentidos de pronto. Somente quando os pobres, e não os de melhor poder aquisitivo das classes mais baixas, emigrarem, pode-se esperar algum efeito positivo da emigração.

Por outro lado, a colonização é o meio para reduzir ao máximo o preço das somas imprescindíveis à emigração, visto dispensar o emigrante da necessidade de se prover com grandes somas, de se preocupar com a incerteza de suas novas condições e de cuidar de encontrar um abrigo, economizando à Alemanha somas que possibilitem a emigração das pessoas mais pobres entre os de menor poder aquisitivo.

Mas se a pátria deseja livrar-se de parte da classe mais pobre, a fim de minorar os perigos que ameaçam a sociedade por meio do aumento do proletariado, não pode se furtar de algumas obrigações morais para com seus filhos menos favorecidos; deve dar-lhes, com cuidado paternal, melhores condições de vida do que aquelas em que se encontravam até então, e isso certamente só é possível com a colonização, com a mudança para regiões nas quais o clima minore as necessidades, onde a fertilidade facilite o sustento e onde, com o plantio de culturas valiosas, seja possível ganhar mais do que aqui com um trabalho árduo.

No entanto a realização em grande escala desse empreendimento parece impraticável enquanto tivermos de assistir, estarrecidos, ao crescimento cada vez maior do grande número de vítimas que ele parece exigir. Por essa razão, a missão maior e mais importante das sociedades de colonização é encontrar meios para que os pobres emigrem contabilizando não apenas as vítimas, mas principalmente as vantagens para eles. Então, e só então, será possível angariar grandes somas para isso. Quanto mais acessível uma colônia for para os pobres, mais nos aproximaremos do objetivo, e a experiência mostra-nos que só se deve adiantar aos emigrantes o mínimo indispensável ao chegarem lá, sem oprimi-los com pesadas dívidas ou cobrar-lhes a total devolução dos empréstimos; isso possibilitaria a emigração de uma classe que aqui se encontra oprimida, que atualmente não consegue emigrar e que não suprimiria da pátria um capital considerável. Tais instituições seriam também muito úteis para facilitar o assentamento de pessoas abastadas, porque, existindo uma população pobre suficiente, o principal problema seria afastado, qual seja, a dificuldade de assentar a classe abastada em regiões desabitadas em virtude da falta de mão de obra. Com os de melhor poder aquisitivo, mesmo que das classes mais baixas, tal objetivo não será atingido, pois essas pessoas, que em sua pátria não estavam habituadas a servir ou deixar que seus filhos fossem serviçais, estarão ainda menos inclinadas a tal em situações novas, nas quais o ganho de vida parece mais fácil. Os colonos abastados somente serão beneficiados por aqueles que aqui viviam em viviam em situação dependente e estavam  Animados pelo desejo de não deixar o empreendimento sair de Hamburgo e convencidos de que somente os tempos difíceis tinham feito os antigos sócios desistirem de sua participação, decidiram os senhores C. M. Schroeder e Cia., Ad. Schramm e C. W. Schroeder encampar a causa e se possível, em tempos mais favoráveis e de maneira regulamentada, oferecê-la, para participação, ao público.

As terras do Príncipe de Joinville reúnem, de maneira rara, todas as qualidades antes mencionadas como imprescindíveis a uma colônia. Estão localizadas em zona temperada entre os 26º e 27º de latitude sul, e a temperatura no verão é suficientemente alta apenas para amadurecer quase todas as plantas tropicais, sem que, como nos trópicos, à mesma temperatura, o resto do ano faça sofrer com um calor incômodo. A Província de Santa Catarina é famosa pelo seu clima ameno e saudável, que dispensa o lavrador de fazer provisões para o inverno, não interrompe seu trabalho e põe-lhe a mesa em qualquer época do ano. A proximidade com o mar, que leva sua maré através dos rios até a Colônia, possibilita não apenas a exportação de produtos sem valor no interior, como também os custos de transporte têm grande influência no produto bruto das plantações. Se em algum lugar as esperanças alimentadas pelos emigrantes quanto às relações político-comerciais podem realizar-se, certamente é ali, onde já há muitos anos se profetizou ao maravilhoso porto de São Francisco um grande futuro. Um comércio desses só pode ser baseado em grande produção de artigos de intercâmbio com a pátria-mãe, e justamente para tal se oferece aqui um campo quase inesgotável. Não apenas as vastas terras, quase desertas, que se estendem desde o mar em direção à serra com uma fertilidade sempre crescente, como também, de maneira ainda mais ampla, as vastas planícies de Curitiba e Lages oferecem ali um espaço para colonização no qual milhões de alemães poderiam viver em prosperidade.

Considerando que as condições impostas pelo Príncipe de Joinville parecem bastante aceitáveis e partem apenas do desejo de garantir à Colônia um florescer exitoso, assinaram o representante dele e o Sr. Senador C. M. Schroeder, em Hamburgo, um contrato que dava ao último a autorização de entregar o empreendimento a uma sociedade de acionistas, sob a condição de ele estar à frente destes. Em conformidade com isso foi o contrato entregue pelos acionistas, sem impor condições inoportunas ou reservas, ao Sr. Schroeder e por ele fundada uma sociedade de acionistas chamada de Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, que, desde então, administra o empreendimento com risco comunitário.

Em dezembro do último ano [1850] partiu de Hamburgo a primeira expedição, e já chegaram notícias as mais animadoras. Foram feitas plantações, semeaduras e colheitas, e nas hortas veem-se, ao lado das hortaliças europeias comuns, laranjeiras, cafeeiros e videiras que vicejam tão bem nesse clima temperado como cana-de-açúcar, algodão, tabaco e milho. Dois prédios foram construídos pelo engenheiro que, a serviço do comitê hamburguês, rumou para lá antes do fim do ano e onde os imigrantes serão não apenas acolhidos, mas receberão aconselhamento, orientação e proteção contra erros e abusos, que infelizmente tantas vezes Ação da Sociedade Colonizadora de Hamburgo (AHJ)  foram os recifes contra os quais naufragou a sorte dos emigrantes. Cada um desses prédios mede 74 e 36 pés. O Rio Matias [sic], que leva os imigrantes à Colônia, distante apenas 2 léguas da cidade de São Francisco, possibilita aos colonos a comunicação com o mar, tão importante para a exportação dos produtos, assim como com a capital, Rio de Janeiro, e outros portos. A privilegiada localização da Colônia dispensa qualquer viagem terrestre e propicia aos colonos a grande vantagem da total isenção de impostos de alfândega na entrada, podendo trazer todos os utensílios domésticos que quiserem e cuja falta, em colonizações no interior, é tão lamentada. E no entanto essas terras têm a especial vantagem de a serra do interior, acidentado, justamente nesse ponto se aproximar mais da costa do que em qualquer outro porto; a Terra de Cima dista apenas meio grau, e assim que as estradas de comunicação forem construídas, até mesmo lavradores nórdicos terão ótimo espaço em planalto fértil, fartamente irrigado por rios que deságuam no Uruguai e no Rio da Prata. Como fonte de renda contam-se ainda os produtos extraídos das belas matas no pé dos morros, assim como peixes do rio e do mar e a caça fácil fornecem sustento ao colono assim que pisar aquela terra. Uma obra do Dr. Blumenau, editada por Froebel em Rudolstadt, em 1850, faz a descrição exata e detalhada da Colônia; outras informações estão à disposição no comitê em Hamburgo, onde também podem ser efetuadas inscrições para emigração. A próxima expedição está marcada para o dia 1.º de maio com o navio Emma e Louise, e mais tarde partirão navios a cada mês. O novo escritório para proteção dos emigrantes, instalado no prédio em Hamburgo, terá satisfação em divulgar a Colônia por intermédio da imprensa. Uma moradia condizente com o clima, com quatro cômodos, além de 50 morgos1 de terra agriculturável, pode ser comprada por 250 táleres prussianos em moeda corrente (Illustrirte Zeitung, Leipzig, 1.º sem./1851).

Fonte : Böbel , Maria Thereza e S.Thiago, Raquel . Joinville , Os Pioneiros – Documento e História v.I – 1851-1866. Joinville: Univille,2001.