Cartas de Niklaus Krähënbühl
Cartas de Niklaus Krähënbühl

CARTA 1

Santos, 6 de agosto de 1857

 

Querido pai, irmão, prima, parentes e conhecidos

 

Já passou bastante tempo desde que os deixamos e vocês devem muitas vezes ter pensado como estaríamos, se ainda bem e com vida, ou se tragados pelo mar. Até aqui nada de mau nos aconteceu e ambos somos gratos a Deus pela saúde e bem-estar e por termos chegado aqui em Santos no dia 15 de julho.

Escrevemos-lhes  uma carta no dia 10 de maio, em Antuérpia, e esperamos que a tenham recebido. Nosso embarque não foi no dia 11 de maio, como havíamos escrito, pois devia chegar ainda mais gente, e por isso foi adiado para o dia 20. Estávamos ao largo quando chegaram os retardatários . Foi então lançada a âncora rio Escalda e embarcaram cerca de mais de 30 pessoas.

Estávamos muito desgostosos em Antuérpia pela demora, pois lá nada mais se via senão  uma grande cidade , sem nenhuma montanha. Existe em Antuérpia cavalos bastante grandes e fortes . Na torre da igreja matriz há um carrilhão muito bonito, que toca a cada quarto de hora e ao dar as horas toca durante cinco minutos. Sempre se dizia que nos Países Baixos não se ouve trovão, mas não é bem assim, pois nos dias 11 e 12 caiu um temporal sobre Antuérpia, com relâmpagos e trovões. Certamente as trovoadas não são tão fortes como na Suíça. Fora isso tivemos  sempre tempo bom. De Basiléia a Antuérpia não tivemos de pagar mais nada pela nossa bagagem. Um agente do Steinmann[1] tinha-nos pedido dois francos com os quais deveria desembaraçar a bagagem na estação de estrada de ferro, mas depois nô-los devolveu, conforme disse, a Agência tinha pago tudo.

Nestes dias a emigração através de Antuérpia tem estado bem intensa, pois em certa ocasião havia mais de cem pessoas em nossa hospedaria “Zur Staldt Luxembug”, onde também estavam muitos suíços.

Certa de oito dias antes de nós, partiu um navio para o Rio Grande do Sul, e dois dias antes um outro, e junto conosco também um para a América do Norte. Nos dias que tivemos de esperar em Antuérpia, cada um de nós teve de pagar ao Sr. Steinmann ainda quarenta francos para podermos nos alojar e dormir no camarote, e receber utensílios de cama e cozinha. As camas têm colchão e travesseiro de algas do mar e cobertor de algodão. Os utensílios de cozinha consistem em uma panelinha na qual se pode guardar a comida e também fazer uma sopa, um jarro d’água , um bule de café, dois pratos pequenos , dois copos, duas colheres e dois garfos, tudo de metal. Nosso navio é de dois mastros e seu nome é “Boussole”. Seu comprimento é de 42 passos , a largura 6 ½ , com um pouco menos na proa e na popa, e a balaustrada fica cerca de 10 pés acima d’água. Os bordos descem até a água quase verticalmente. A proa, que se destaca inclinada sobre a água, é arredondada na parte superior e, para melhor singrar a água, é especialmente bem construída. Também a popa se destaca inclinada sobre a água. As obras vivas [2] são revestidas de ferro e não dá para saber qual o calado. O espaço coberto abaixo é ocupado pelos porões. Não também para saber a sua profundidade, pois estão cheios de carvão, água, carne, batatas e caixotes de carga.

O espaço superior é ocupado pelo convés principal. Bem ao lado da proa, no convés do castelo, os marinheiros têm seu alojamento. No convés superior, a meia nau, ficam alojados os passageiros. Sua altura é de 5 ½ pés e de ambos os lados estão os leitos. São leitos-beliche, um sobre o outro, ficando o superior cerca de ½ pé do teto. Próximo à popa há ainda um porão. No convés de proa há um bomba que serve para o bombeamento de água do mar, o cabrestante, utilizado para içar a âncora, e ainda escotilha que permite a entrada para o alojamento de marinheiros.

Vem então  o mastro de vante, as cozinhas dos passageiros, a entrada dianteira para o convés, depois as cozinhas dos camarotes e finalmente uma grande escotilha por onde são embarcados e desembarcados os depósitos, fardos e caixas de carga.

Vem então o mastro de ré e outra bomba d’água que tanto alimenta o navio como desembarca a água servida. Segue-se a entrada traseira para o convés e os camarotes. Estes têm 8 passos de comprimento por 5 de largura e somente camas de solteiro.

Após  os camarotes, em direção à popa, está situada a roda do leme. Em torno de todo o convés a borda falsa tem uma altura de 4 ½ pés, permitindo a saída d’água que embarca pelo convés. Na parte de vante é ela de madeira razoavelmente espessa. Da mesma forma, os mastros de madeira podem atingir cerca de 70 pés de altura, em três seções. O mastro de vante( que se inclina um pouco para trás, como também o mastro de ré) possui três velas redondas e o mastro de ré, quatro. A esteira das velas interiores chega a medir cerca de 10 pés de comprimento; as superiores são mais estreitas. Em cada  um dos mastros há também uma vela latina que é usada para ventos de través. As três velas bujarronas  do gurupés[3] são também usadas para ventos de través. Quando há pouco vento e principalmente quando se tem vento de popa , além das velas redondas usam-se também as latinas. Nosso navio veleja bem e deixamos para trás muitos outros navios, até mesmo menores com três mastros. No dia 27 de junho ultrapassamos um que havia partido de Antuérpia cerca de 9  ou 10 dias antes de nós e que se dirigia ao Rio. Vimos navios quase todos os dias. Quando atravessamos o canal, não era novidade contar cerca de 8, 10, 12 embarcações, ou ainda mais.

A nossa tripulação compunha-se de 146 pessoas, 197 passageiros, dentro os quais muitas crianças, cinco marinheiros, dos quais um ficou doente a bordo e tremiam todos os seus membros, e ainda o capitão, o piloto, o contramestre e um grumete. Alguns dos passageiros, principalmente mulheres, eram eram muito desasseiados. O passageiro mais velho era um homem de 65 anos. Dentre os passageiros havia muitos vindos da Prússia. Nós éramos os únicos suíços, mas fomos bem acolhidos por todos. Nunca recebemos nenhuma palavra ofensiva nem da tripulação nem dos passageiros. Não havia nenhum francês nem italiano em nosso navio, como erradamente havíamos escrito, mas sim duas famílias belgas que falavam o flamengo, língua também falada em Antuérpia.

Dois passageiros encarregaram-se da cozinha, provavelmente pagos para isso por Steinmann. Havia mais um que cuidava dos víveres e os entregava aos cozinheiros. As cozinhas, como vocês puderam ver, eram muito pequenas, uma com 6 pés de comprimento e a outra com somente 4. Podiam alojar 6 tachos, apesar  de haver só 4 bocas de fogo. Antes que começasse o enjoo, fazia-se café; durante e depois somente cozinhava quem quisesse. Usávamos leite somente com torradas, o que para nós era bem saboroso. Torradas com café não era muito bom pois elas se desagregavam. Sobrevindo o enjoo, cozinhava-se somente duas vezes ao dia, ao meio-dia e à tarde. De manhã a maioria, como nós, fazia uma sopa, certamente só um caldo, pois não havia no navio nem manteiga nem gordura. Os outros passageiros que tinham trazido farinha, manteiga, ovos, pão, presunto e toucinho, cozinhavam para si um pouco melhor. Por ocasião de enjoos eram bom ter coisas como essas. Recomendavam-se também frutas secas,farinha torrada, pedaços de pão torrado, queijo, queijo ralado, e um licor, além de leite, que também fazia bem. Estávamos muito contentes com nossas ameixas e com a água de cereja, pois durante o enjoo pouco mais tínhamos além de carne de vaca, arroz queimado e batatas assadas. Nada disso queríamos comer. Muitas vezes tivemos vontade de comer algo, mas nada havia que nos apetecesse, embora não comer nada também não fosse bom. Quando navegávamos pelo Escalda[4], três homens que vinham de bote subiram a bordo e venderam pão , tabaco e açúcar. Compramos deles um pequeno pão. Comer um pedacinho de pão e tomar um gole de licor sempre nos fazia um pouco de bem. Mas o pão acabou antes de acabar o enjoo. Se quiséssemos ter pão no navio não devíamos tê-lo trazido de casa, mas sim comprado no porto, para ele não se estragar antes de embarcarmos. Quando acabou o enjoo, novamente se passou a cozinhar três vezes ao dia. De manhã havia uma sopa de batatas, sem farinha nem pão, quatro tachos cheios. Havia o bastante para nós dois . Ao meio dia havia ou arroz, feijão e ervilha, ou um outro cereal (seis tachos cheios) com carne de vaca ou de porco. O cereal e o arroz, entretanto, não nos apeteciam muito. À tarde eram cozidos seis tachos de batata, as quais comíamos com sal e com carne de porco até uns dois dias depois da distribuição. Depois, com toucinho, e também fazendo salada ou fritando-as. Muitas vezes devíamos esperar bastante, antes de poder entrar na cozinha. Cozinhava-se de manhã bem cedo até bem à noitinha. Muitas tínhamos ainda de conseguir uma frigideira ou uma lata. No dia 23 de junho acabaram-se as batatas, e daí em diante novamente passou-se a cozinhar duas vezes ao dia. De manhã arroz ou outro cereal, e à tarde feijão ou ervilha, às vezes também arroz ou outro cereal, e em dias alternados carne de vaca. A água era recebida todos os dias, e havia o suficiente. Cada família recolhia para si. Cada semana dava-se a cada pessoa um pouco de vinagre e duas colheres de açúcar. Nós dois recebíamos sete libras de torradas cada semana. Depois de se distribuir a carne de porco, dava-se também farinha, duas vezes por semana, um copo cheio para cada pessoa. Sempre que tínhamos bastante toucinho, fazíamos também , com a farinha, panquecas que muito nos apeteciam, apesar de não termos ovos para fazê-las. Carne de vaca e de porco era distribuída em rações muito pequenas , não muito mais do que um bocado. Sempre tínhamos que jejuar um pouco, por assim dizer, o que é perfeitamente suportável quando não se tem o que fazer; contudo gostaríamos de comer bem, depois de sofrer de enjoo. Não gostaríamos de recomendar a ninguém que emigrasse via Antuérpia, pois como já ouvimos, via Hamburgo é bem melhor, principalmente por causa da alimentação. No dia 21 novamente levantamos âncora e prosseguimos, mas só até cerca de meio-dia. Não havia quase vento e quando subiu a maré tivemos novamente de deitar âncora, pois se observam aí marés muito fortes, até Antuérpia. No dia 22 saímos ao mar alto com forte vento. No rio Escalda o vento não foi muito favorável, pois vinha bem contra nós, e tivemos de orçar, cambando os panos com frequência.[5] O vento estava tão forte, entretanto, que o navio veio a ficar muito inclinado, como se fosse adernar, de tal modo que quase não se podia ficar no convés. Em alto mar o vento ficou mais favorável e fomos impelidos para frente com bastante velocidade. Ao chegar em alto mar foi substituído o piloto que desde Antuérpia nos estava dirigindo, o qual fez o transbordo para um navio de Antuérpia. O mar estava com uma coloração verde escura especialmente por causa do templo nublado e tempestuoso. Com tempo limpo, entretanto, ele parece mais azul escuro, e a terra que com ele contrasta é sempre de uma cor verde leitosa. Os primeiros 14 dias que estivemos no mar foram bastante chuvosos, frios e tempestuosos. Grande quantidade de água açoitava frequentemente o convés, e se alguém por acaso se preocupasse com isso, diziam os marinheiros – veja, isso não é ainda nada, nada mesmo; ainda pode vir outra que se pareça com uma tormenta . Nessa ocasião estivemos sempre com frio, por assim dizer dia e noite e ficamos muito contentes por ter trazido conosco nossas ceroulas. Assim também quase todos os passageiros. No dia em que chegamos a alto mar, manifestou-se  também intensamente o enjoo. Surgiu com intensidade e durou cerca de oito dias, se bem que para alguns ainda um pouco mais; alguns quase não sofreram nada, e nós só medianamente. Nosso navio foi fortemente açoitado pelo tempo bastante tempestuoso, e oscilou intensamente.

Em cinco dias atravessamos o canal [6] . Pudemos observar algo da costa inglesa mas nada da francesa, pois o tempo estava muito nublado. A partir de 10 de junho tivemos bom tempo, não mais tempestuoso, e também mais quente. Houve muito bom tempo até 28 de junho a 9 de julho, mau tempo, mas depois novamente bom tempo até chegarmos à terra firme. No mar o tempo é muito variável; num abrir e fechar de olhos sobrevém chuva . No dia 11 de junho de manhã avistamos a ilha da Madeira, que fica ao norte das ilhas Canárias e pertence ao continente africano, embora sua posse seja dos portugueses. Nada vimos da ilha Antônia da qual nossos irmãos haviam escrito. No domingo, dia 21 de junho, os marinheiros e alguns passageiros representaram uma peça. Fantasiaram-se e mascararam-se a cores. Um deles representava Neptuno, o deus do mar, quase inteiramente nu, que predisse que chegaríamos sem segurança até Santos. No fim ordenou, ele, o batismo, e tomaram então água e derramaram sobre as pessoas. Ao anoitecer puseram  ao mar uma garrafa que estava jogada no chão, encheram-na de breu e pixe e lhe puseram fogo. O capitão disse, então, que esse era o cometa que devia destruir a terra. Se tivéssemos tido vento no decorrer da semana, teríamos cruzado a linha do equador, mas tivemos três dias de calmaria, e assim só no começo do dia 28 isso aconteceu. Estava bem agradável o calor. No dia 9 de julho de manhã, divisamos as montanhas da terra firme do Brasil. Poderíamos ter chegado a Santos ainda nesse dia, mas o vento não colaborou. Precisamos ainda navegar através de um braço de mar para chegar a Santos. Para entrar nesse braço de mar demoramos até o começo do dia 12 por falta de vento, então prosseguimos até perto de um forte e lançamos âncora porque o vento não mais estava favorável. De manhã veio então um piloto em uma canoa, feita de tronco de árvore escavado para nos conduzir até Santos. A partir de então o capitão passou o comando para o piloto. Porém nesse dia pudemos prosseguir só até em frente ao forte, e lá tivemos novamente de lançar âncora. Veio ali então a bordo a Polícia e também tivemos de ser examinados por um médico, como em Antuérpia. Tivemos de esperar pelo médico um dia inteiro para que ele viesse de Santos. Comemos aqui as primeiras frutas brasileiras. Um capitão, dois pilotos e um marinheiro foram à terra, de bote, e quando voltaram trouxeram frutas e também rosas e outras flores, pois aqui já é inverno. Das frutas cada um de nós conseguiu duas bananas que nos apeteceram bem. No dia 14 de manhã chegou o médico, mas de pouca utilidade foi, pois não mais da metade das pessoas estava no convés, pelo que logo ele foi embora. Nesse dia chegamos a Santos, que estava distante ainda só uma hora. Do forte estava conosco um militar. Ao chegarmos a Santos subiu a bordo também a polícia. Nós porém ainda não pudemos desembarcar e tivemos de dormir mais uma vez no navio. Ficaram também dois policiais. No dia 15 de julho foi lançada a escada do navio e começou, então, o desembarque. Passageiros e bagagens foram levados à terra em botes, pois o navio não podia se aproximar mais da terra. A bagagem, porém, teve de ser verificada antes, no navio. A verificação aqui foi mais rigorosa, mas ninguém foi roubado. Era bom que alguém que tivesse muitas coisas pusesse no bolso dos policiais alguns mil réis. Todos nós nos alegramos muito por poder pisar  novamente  em terra firme. Foi bom, também, deixarmos o navio, pois queríamos dar início a alguma atividade comercial e também precisávamos de alguns bens e haveres. Compramos dois lenços de pescoço, dois cachimbos, uma pequena gramática e pentes de bolso. Não deixamos nada do que era nosso no camarote. Procuramos bastante a gramática e os cachimbos, pois já de há muito desejávamos a gramática, e não tínhamos podido comprar os cachimbos em Antuérpia, onde só vimos alguns bem pequenos e retos. Compramos barato em Antuérpia espingardas e revólveres. Em Santos abrigamo-nos no Arsenal, onde se pode gratuitamente ter alojamento e comida por dois dias. A comida aí era boa.

Completamos oito semanas, ou 56 dias, sobre as águas, e durante esse tempo percorremos uma distância de 1150 milhas alemãs ou geográficas. Tivemos uma feliz viagem, sem tempestade, sem eclodir nenhuma doença no navio. Bem podia ter-se manifestado alguma doença a bordo, pois o espaço era muito pequeno para tanta gente. Quanto à lavagem do convés superior, como haviam escrito nossos irmãos, nada há a dizer, pois o espaço que os leitos não ocupavam estava quase totalmente cheio de caixas, de tal modo que quase não se podia passar. Tínhamos também uma caixa coberta abaixo, dentro do porão. Ficamos contentes porque pudemos nos alojar no camarote sem despender mais dinheiro, pois nos beliches de convés superior havia sempre um cheiro de tirar o apetite, ou melhor dito, um fedor! O melhor que foi que tínhamos bons tripulantes, todos ainda jovens, e também devemos os melhores elogios para o capitão. Gigersami tinha escrito em sua carta um parágrafo a favor do sexo feminino e dos marinheiros, e em ambos os casos talvez ele estivesse certo, como foi também em nosso navio. O marinheiro que havia ficado doente no navio veio a falecer. Foi envolvido em um pedaço de vela velha e então jogado ao mar. Era um formidável bebedor de bebida alcoólica, aparentava no mínimo cinquenta anos e tinha na verdade só 32 anos. Fora disto ninguém mais morreu, mas todos chegaram aqui com saúde. “Tanto no mar quanto na terra nos, homens, estávamos nas mãos de Deus”. Havia em nosso navio também colonos para Vergueiro. Não pudemos, porém, viajar com eles para o interior, pois Vergueiros não quer mais nada com colonos suíços. Há um certo Müller, de Zurique trabalhando com Vergueiro, que chegou ao arsenal para buscar os colonos. Ele não se portou perante nós como um compatriota mas sim como quem comeu do pão do Vergueiro[7]. Indagamos a respeito de Samuel von Loo . Fomos endereçados a um carpinteiro alemão. Ele, entretanto, não estava lá, embora tivesse estado há algum tempo. Atualmente trabalha em S. Paulo, na praça. Matter também não está em Santos e abandonou seu negócio de terras. Matter comercia agora com mercadorias variadas e também esteve hoje aqui, com três mulas de carga. Na casa de Wagner encontramos um outro suíço, de Sumiswald. Wagner, que é um homem honesto, aconselhou-nos a não subir sem antes escrevermos aos irmãos que estavam aqui, pois, disse ele, iria nos custar bastante se nós alugássemos um guia próprio com animais de carga. Se nossos irmãos estivessem com boa disposição, poderia um deles vir aqui para nos buscar. Como ele disse, e como nós antes muitas vezes tínhamos ouvido, nas colônias nem tudo está muito correto, pois há famílias que para lá se dirigiram, que tinham pago o transporte e que ainda tinham haveres ao lá chegar, e que hoje estão cheios de dívidas. Como também nós viemos a saber, não deve acontecer assim conosco, pois S.Lourenço é uma das melhores colônias. Sobre isso logo poderemos dar melhores notícias, pois já escrevemos aos irmãos.

Queríamos ir a Cubatão que está a cerca de 3 horas daqui, para lá trabalharmos na praça, e viemos a saber ainda em tempo que lá não mais admitem trabalhadores. Agora Samuel pode ficar na casa de Wagner, e para mim ( Nicolau), Wagner conseguiu um lugar na casa de um português ou brasileiro. Começamos ambos nosso serviço no dia 18 de julho. Estamos juntos com frequência, pois estamos os dois na mesma cidade. Quanto tempo mais ainda ficaremos aqui, não sabemos.Queremos logo ver o que os nossos irmãos responderão. Aqui é insalubre, não há montanhas, há alagadiços nas proximidades de Santos, e também chove muito. Para mim o pior é a língua, pois na casa em que estou ninguém entende uma palavra de alemão.

Santos movimenta um forte comércio, e também existem aqui muitas boas lojas, e há em profusão vendas ou negócios. Também meu patrão tem uma venda. Aqui é tudo mais caro.

Encerramos aqui esta carta, mas escreveremos  logo novamente, quando então esperamos dar melhores notícias sobre tudo. Ao receberem esta carta, escrevam-nos também novamente sobre como estão de saúde e como têm passado. Se não mais estivermos aqui, receberemos igualmente a carta enviada aos cuidados. Lembranças para todos vocês mil vezes, especialmente a papai, e esperamos que a carta  os encontre bem e com saúde. Lembranças também para o coral masculino e os restantes amigos e conhecidos.

                                                               Niklaus Krähënbühl

                                                               Samuel Krähenbühl

O endereço é o seguinte:

Irmãos Krähenbühl

A/C Sekose Seitenthal , Carpinteiro em Santos

 

Podem também manda a carta  para só um de nós, se quiserem, mas sempre sobrescritas com letras francesas.

 



[1] Steinmann era a agência de navegação que incentivava a emigração europeia para as Américas e a Austrália.

[2] As partes que ficam imersas.

[3] Gurupés é um tipo de mastro bem inclinado e quase paralelo à superfície da água, praticamente horizontal.

[4] Escalda é o rio que banha a Antuérpia e deságua no Mar do Norte.

[5] Orçar significa ziguezaguear para aproveitar melhor a direção do vento. Cambar os panos é o ato de enrolar e desenrolar as velas.

[6] Canal da Mancha.

[7] Expressão idiomática significando que a atitude deste Müller se dever a certa subserviência a Vergueiro. Em fevereiro de 1857 tinha havido a famosa rebelião dos colonos em Ibicaba, fazenda de Vergueiro.



 

CARTA 2

 

 

 

Campinas, 15 de dezembro de 1862

 

 

 

Irmãos amados do coração!

 

 

 

Recebemos a carta de 21 de janeiro de 1862 e verificamos quanto incomodo e trabalho demos a você, Urich, para conseguir o dinheiro. Recebemos também a carta de 14 de julho de 1862, do Vice – cônsul suíço na Província de S.Paulo, em Campinas, e desde então o dinheiro já está no Rio de Janeiro. O vice- cônsul Krug arranjou então o dinheiro com uma casa de Campinas, mas para não termos de pagar juros  tivemos de esperar dois meses até 1º de novembro. Tivemos de passara recibo quando recebemos o aviso de que o dinheiro estava no Rio, contra o qual nos foi expedido um cheque bancário. O recibo foi expedido em francos e na importância total enviada por você. Os dois cônsules, do Rio e de Campinas descontaram pelo seu trabalho cerca de 100 mil reis. A taxa de câmbio foi de 360 reais por franco, e assim ainda sobrou mais do que havíamos pensado. Estamos agora de posse de nosso dinheiro e agradecemos-lhe pelo trabalho e incomodo que tiveram. Expedimos uma segunda procuração para efeito de processos de herança, a qual talvez já esteja em suas mãos. Se você achar, entretanto, que as pessoas envolvidas talvez se desgostem, mantenha-a oculta. Christian pensa que em Berau isso não aconteceria. Pedro ( Peter) enviou junto uma carta.

 

Fui surpreendido muito tristemente pelo destino, com a morte de minha mulher após uma desgastante doença. Começo na Páscoa e foi piorando. Mais de dois meses ficou ela praticamente de cama, até que em 14 de novembro subiu para a eternidade, com a idade de apenas 22 anos. Seus restos mortais jazem no cemitério alemão de Campinas. Foi um golpe duro esse, de ter perdido essa boa alma, que abateu minhas melhores esperanças, deixando-me magoado e triste.

 

Samuel mora a cerca de 7 minutos de mim, e tem um filhinho, Philipp. Peter também tem outro, que foi batizado com o nome de Georg. Peter e Christian moram ainda em S.Lourenço e já tem bastante gado; Peter 80 e Christian 60 cabeças. Neste ano deu muito pouco café. Christian, que tem café velho, colheu 4 alqueires. Peter....[1] . No próximo ano novamente deve dar pouco café, pois surgiu uma espécie de doença nos cafeeiros. Neste ano poucas famílias de colonos foram embora. O Vice-cônsul na Província de São Paulo, por incumbência do cônsul geral do Rio, acertou as contas e pagou aos respectivos patrões. Essas pessoas foram para Cananeia na Província do Paraná, não muito longe do mar, onde conseguiram terra. Os meus Peter e Christian gostariam de ir vê-los, e se lá for bom, pensam também em ir para lá. Um deles, de Santo Antônio, que já está lá, escreverá para eles. Por um par de anos tem saído gente para Itamburé, em busca de terra nos lados de Piracicaba. Já existe lá uma cidade, mas é região de febre severa....Meus irmãos também querem ir para lá, mas não podem realizar esse desejo por causa de sua dívida.....Já  se trabalha intensamente na estrada de ferro de Santos a S.Paulo, e em seguida até Jundiaí. No ano passado um aguaceiro na frente dos trabalhos da estrada de ferro, na Serra do Mar, causou grandes estragos.....

 

Nenhum de dós provavelmente voltará para a Suíça, pois já estamos acostumados com o clima daqui e achamos esta terra  muito melhor para os pobres do que a Suíça. O trabalho aqui é bom e a terra compensa. Quem mora aqui em sua terra própria, até agora não tem que pagar impostos, só deve conservar as estradas, o que exige 2, 3 ou 4 dias por ano. Entretanto, quem de fora para este país, não deve fazer plano algum, pois tudo pode ir por água abaixo. Ao recém-chegado apresentam-se muitas coisas curiosas e com as quais não está acostumado. Muitas coisas é melhor fazer como os brasileiros fazem; muitas coisas que parecem tolice, finalmente acaba-se fazendo do mesmo jeito e achando bom. Quem fizer em tudo o melhor desde o início, usualmente será recompensado com bom dinheiro. Com as plantas acontece assim: no mês de julho e agosto deve ser feita a derrubada da mata onde se vai plantar, e deixar assim cerca de um mês ou mais até ser feita a queimada; depois planta-se ali o milho, que deve ser carpido uma vez. Frequentemente é isso um tanto difícil, pois grandes troncos ficam no chão. Querendo plantar café, o milho deve ser plantado entremeado.... As árvores são derrubadas a machado. Depois de ter feito uma primeira plantação, muitas árvores crescem novamente, e usualmente devem ser roçadas, o que acontece de novo quando chegam à altura de uma pessoa; daí faz-se a queimada e planta-se até duas ou três vezes. Para plantar feijão, batata,arroz, toma-se sempre terra que tenha só pequenas encostas, e em que os troncos tenham apodrecido. Onde a terra é escassa, como em S.Paulo, já está toda arada. Nas grandes colônias, as pessoas devem limpar a terra com enxada para plantar, o que é mais demorado.

 

Vou encerrar agora. Muitas lembranças e votos de bênçãos do Samuel e dos irmãos daqui para você, para o irmão Hans e para a irmã, bom como para Hofer e cunhado. Principalmente desejo a vocês todos alegria e bênçãos, e que Deus todo poderoso lhes dê saúde a todos. Mesmo que não mais nos vejamos pessoalmente, não queremos deixar de compartilhar com vocês nosso bem e nossa dor, através de carta, até que Deus nos chame deste mundo.

 

Com muitas lembranças e estima subscreve-se o seu sempre fiel irmão

 

Niklaus Krähenbühl

 

 

 

 

 



[1] Trechos ilegíveis desta carta são substituídos por pontos sucessivos.

 

CARTA 3

 

Campinas, 16 de dezembro de 1866

 

Amado irmão!

 

Depois de prolongada demora finalmente venho responder sua carta de 22 de janeiro. Recebi a carta já há muitos meses, mas a resposta foi sempre sendo adiada. Não recebi o exemplar do novo “ Schweizerbundes”, e por isso queria logo ter escrito ao receber sua carta. Em nossa casa está tudo praticamente como antes. Há muito que não vou à casa de Peter, que ainda está em S.Lourenço. Seu filho Hans esteve aqui uma vez neste ano. Christian mora cerca de meia hora daqui, e Samuel mora em sua propriedade. Samuel já tem três filhos. Nasceu meu primeiro filho em 9 de fevereiro de 1865 e foi batizado em Campinas com o nome de Franz (Francisco) . Tivemos aqui dois anos de seca em seguida. Nos dois anos Christen( sic) não colheu nenhum real, por causa da seca. A última estação chuvosa foi de muitas trovoadas. Tivemos trovoadas quase todos os dias, durante um mês inteiro, e apesar disso pouca chuva. A estrada de ferro de Santos a Jundiaí foi terminada. A guerra com o Uruguai, mencionada na última carta, já terminou faz tempo. Em compensação o Brasil e seus aliados ( Argentina e Uruguai), estão em uma guerra prolongada contra o Paraguai. Ninguém poderia dar a vocês qualquer ideia da lentidão com que aqui é conduzida a guerra. Esta guerra já custou muito dinheiro e também vidas, e seu fim ainda não é divisado. A aliança começou a afrouxar-se, o que se torna muito ruim para Brasil. Aqui pouco ou nada acompanhamos sobre a guerra, mas podemos talvez sentir suas consequências, pois ela pode acarretar mais impostos, já que devido a ela o Brasil  endividou-se terrivelmente.

Nada pude fazer para me estabelecer comercialmente. Para isso, primeiro eu deveria morar na cidade, e ter uma pessoa que tocasse esse ramo de negócio. Em segundo lugar, o ruim não ter ainda a estrada de ferro chegado até aqui em Campinas, o que torna tudo muito difícil e caro. Se eu tivesse café próprio poderia ir sempre cuidar dele. O meu café que plantei poderia  já estar produzindo, mas logo depois que ele foi plantado a terra caiu em demanda, e por isso não lhe dei os cuidados necessários. Até agora, neste ano, já limpei o cafezal, mas preciso ainda plantar mais. Embora a divisa não esteja ainda definida, estou resolvido a não deixar a gleba sem cultivar, pois tenho o título de posse. O vizinho tem também e me mostrou o documento. Por precaução, porém, plantei em outro local algumas centenas de pés de café, que não estão, entretanto tão crescidos e são mais expostos à geada. Os suíços de Ibicaba saíram todos, e muitos estão aqui em Campinas. Alguns, Vergueiro levou consigo, mas muitos desertaram. Sommerhalder ainda está lá.

Nossas casas até agora não tem grande mobiliário. A minha tem 4 cômodos e a cozinha, e a de Samuel 3 cômodos e a cozinha. Temos constantemente muito trabalho e é difícil conseguir trabalhadores. Já há algum tempo tenho um auxiliar. As ferramentas que pudemos trazer conosco são bem utilizadas por nós todos. Nossa propriedade é uma encosta entrecortada por alguns baixios. Na parte baixa corre um pequeno riacho que é a nossa fonte. A terra é parecida com a de vocês. Pudemos irrigar uma pequena porção, mas a instalação de irrigação requer muito trabalho. Também a irrigação não é necessária, pois na época do ano em que faz calor e as plantas crescem, chove bastante. Aqui na região nenhuma terra é irrigada. Nas proximidades também não há rio navegável, nem mesmo com botes.

Não posso falar muito sobre pássaros e peixes, pois aqui são numerosos e variados. Há poucos pássaros conosco. Aqui perto só há o sabin[1], cinza com peito vermelho, do tamanho de um melro. Há muitos animais selvagens, mas poucos que sejam perigosos para o homem. O gato selvagem, o coati e a cotia são perigosos para as galinhas; os dois últimos também são bons para comer. O tatu, uma espécie de animal coríacco, escava e arranca os pés de milho para comê-lo. Os grandes lagartos comem pintainhos e ovos. Uma espécie de porco selvagem come o milho maduro no campo quando plantado longe de casa, onde ele se sente mais seguro. Existe ainda uma outra espécie de porco selvagem, que é perigosa até para o homem, quando se ajuntam em manadas, mas eles não mais andam por aqui. A paca e o veado constituem boa caça. Nós não caçamos, pois isso é um passatempo para dericos.

Estamos aqui todos com saúde, até em casa de Samuel cuja mulher esteve um pouco adoentada já há algum tempo. Esperamos que todos vocês estejam com saúde. Mandamos lembranças a você de todo o coração , e também ao irmão Johannes, e à irmã Bárbara, bem como todos os outros parentes, e desejamos-lhes todas as bênçãos de Deus. Mando lembranças também aos meus afilhados. Acho que o de Johannes já deve estar um belo rapaz.

O seu fiel irmão que sempre os ama

 

Niklaus Krähenbühl

 

N.B. -  Escrevam de novo logo em seguida e não demorem tanto quanto eu.

 



[1] Aparentemente trata-se do sabiá laranjeira.


Carta 4

 

Campinas, 2 de junho de 1871,

 

Amados irmãos, irmã e parentes!

 

Depois de um longo intervalo novamente lhes escrevo para ver se vocês todos ainda estão vivos. A última carta que recebi daí foi a sua, irmão Ulrich, uma pequenina carta, que me foi enviada por Peter. Tenho sempre aguardado novas notícias, mas nada mais chegou, e por isso também a resposta demorou tanto. Acho que não deveríamos deixar acontecer isso, mas que pelo menos cada um escrevesse uma vez por ano.

Aqui e na casa de Samuel continua tudo praticamente na mesma. Moramos ainda na mesma cidade e provavelmente aqui terminaremos nossas vidas, se Deus quiser. Nossa família cresceu. Eu tenho agora quatro filhos e Samuel seis. Temos bastante trabalho e poucos trabalhadores. De modo geral vai indo tudo muito bem, pois temos boa terra apesar de sempre acontecer alguma coisa desagradável, como por exemplo uma peste que atingiu todo o gado. O gado aqui é bastante caro. Uma boa vaca de leite custa de 60 a 100 mil reis. O gado de corte é proporcionalmente mais barato.

Christian novamente vendeu sua terra, pois estava muito longe da cidade. Ele esteve durante certo tempo morando aqui conosco, mas já faz cerca de um ano  que se mudou para uma colina perto da cidade. Annebäbeli casou-se. Durante o ano ele trabalhou, mas não no café, que ele não tem mais. Ele acha que lá está bom para ele, porque é perto da cidade e ganha bastante dinheiro com jardinagem.

Peter já há muito deixou São Lourenço e mora agora perto de São João do Rio Claro. Ele esteve aqui em março do ano passado. Acho que está bem, agora. Ele tem vontade de comprar terras lá perto de São João. Sua filha mais velha também se casou já há um ano. Desde que ele esteve aqui não recebi dele  mais nenhuma notícia direta.

A infausta guerra do Paraguai terminou no ao passado, em março, com a morte do Presidente da República . Ela demorou cinco anos e custou muitas vidas. Devido a ela o Brasil fez muitas dívidas. Falou-se já muito por aqui em acabar com as colônias por causa disso. Acho que não demorará muito tempo para ser esclarecida essa dúvida, de uma ou de outra forma. Por isso também se trabalha para trazer mais imigrantes. Não sei se se conseguiria uma grande imigração; Acho difícil, pois em primeiro lugar a viagem é ainda  muito cara, e em segundo lugar há aqui ainda muitas dificuldades a serem removidas, que discriminam os imigrantes em face dos brasileiros.

Já estamos no início da estação fria, mas ainda não tivemos geada. O inverno passado foi o mais frio que tivemos desde que chegamos ao Brasil. Uma geada após outra, e frequentemente fazia tanto frio que a água que estava nos potes congelava na camada de cima. Esteve muito seco, nada mais crescia nos pastos e em muitos lugares o gado padeceu necessidade. Muito café foi atingido pela geada e não produziu nada, e o que não sofreu a geada deu muito pouco por causa do frio e da seca. A cana de açúcar também sofreu com a geada e o açúcar já está mais caro. Essa onda de frio atingiu todo o sul do Brasil.

Li em nosso jornal de hoje que houve grandes inundações na Suíça no outono de 69. O jornal não informou nada mais a respeito, e gostaria  que você  escrevesse algo sobre isso. Aqui em Campinas arrecadamos donativos para as vítimas das enchentes. Aí as nações vizinhas estão em guerra, que pende a favor da Alemanha. Tenho lido sobre o desenvolvimento das atividades bélicas em nosso jornal. Escreva-me sobre o que em geral acham aí, se a guerra beneficiará ou não a Suíça.

O Sr. Krug, nosso cônsul aqui em Campinas, fez uma viagem à Europa, e foi também à Suíça. Provavelmente deve tê-los visitado. Passou-se com ele um acontecimento desagradável. Wädli Müller no ano passado esteve aqui em Campinas nos visitando com nosso irmão Peter para verificar se seu dinheiro porventura já tinha chegado. De fato havia um dinheiro para um certo Hans Jakob Müller, de S.Lourenço. Então o consul pensou que o dinheiro era dele e lhe entregou Logo depois descobriu que aquele dinheiro não pertencia àquele Müller, mas sim um Müller da cantão de Schaffhausen . Na carta do Consul Geral, entretanto, não havia menção a que  cantão pertencia esse Müller a quem o dinheiro se destinava. Agora o Cônsul está esperando de volta esse dinheiro de Wädli para entregar ao Müller de Schffhausen, mas ainda não o recebeu até agora. Isso ele me contou porque ia para a Suíça e queria descobrir onde estava o dinheiro que não voltava. Este Sr. Krug é uma pessoa respeitável e muito amigável para todos. Quero que as cartas que eu venha a receber de vocês sejam mandadas para o endereço dele. Isso faz também a maioria dos alemães que moram da cidade, pois aqui não é como aí, em que a cada hora se pode ir ao Correio para buscar a correspondência. Aqui, apesar de chegarmos no horário certo, ainda temos de voltar sem termos conseguido nada. Já faz um ano, ou um pouco mais, que fui à cidade e fiquei sabendo que havia uma carta no Correio para Christian. Fui então retirá-la e quando cheguei me disseram que não havia mais expediente e que eu voltasse no dia seguinte. Desculpei-me por não ter sabido da carta antes, e disse que morava longe. Finalmente me  dera a carta, resmungando e murmurando. A correspondência de Blattner também não vai para o correio, já que ele raramente recebe cartas. A maioria usa o endereço de outras pessoas da cidade para a sua correspondência. Para eu mesmo ir ao Correio não é muito fácil, pois moro muito longe da cidade  e por isso muitas vezes pode demorar muito para receber a correspondência. E se a correspondência não chega, alguém pode ir buscá-la, já que ninguém  se importa muito com isso. Estou anexando o endereço da farmácia de Krug, em Aargau, que ele me deu um cartão.

Ao me escreverem de novo, contem também do nosso irmão Hans, ou ele próprio me escreva uma vez dizendo como vai e também seu filho, meu afilhado, já que deve estar bem grande. Escrevam-me também de todos os parentes, como estão e onde estão. Ainda mais, há por aí alguém que tenha vontade de vir para cá, comigo ou com nosso irmão Samuel? Podemos empregar duas ou três pessoas. Devem ser jovens honestos e de confiança, bons trabalhadores, pois aqui há muito trabalho pesado. Os brasileiros são pouco fiéis no cumprimento dos seus deveres, às vezes vêm trabalhar às vezes não. Vêm quando querem e da mesma forma não vêm. Não obstante, há entre os brasileiros também muito bons trabalhadores, só que não se pode deixá-los sozinhos, e usualmente deve-se antecipar o seu salário. A maioria, pessoas desempregadas, tem dívidas. Se aí não houver condições , talvez eu pudesse enviar um adiantamento, embora não convenha mandar dinheiro, pois é descontada uma taxa muito grande para a remessa. Poderia pagar a um bom trabalhador 180 mil reis no primeiro ano, e no segundo, se tiver tido bom desempenho no trabalho, 200 mil reis.

   Entretanto, se tivesse de fazer algum adiantamento, não daria mais do que 150 mil reis no primeiro ano, pois se nesse ínterim a pessoa morresse, o adiantamento estaria perdido. Aqui há também muitos empregados alemães, pois apesar de decorrido bastante tempo, nem todos os alemães conseguiram ter sua terra. Há aqui trabalho leve e pesado. Assim, se alguém quiser vir, alegrar-me-ia bastante, e mesmo que não quisesse permanecer, eu ficaria contente por ter estado um pouco com os queridos compatriotas, que em pouco tempo poderiam voltar para casa tendo ainda algum dinheiro no bolso. Vou encerrar agora. Mando lembranças para todos os meus parentes e amigos, e desejo-lhes a todos bênçãos do Deus todo poderoso.

A você os cumprimentos cordiais do irmão que nunca o esquece.

 

                                                              Niklaus Krähenbühl

 

Tanto quanto eu saiba, por aqui todos estão bem de saúde, Deus conceda que assim também estejam vocês.

 

 

 

Carta 5

 

Campinas, 21 de novembro de 1873

 

Querido irmão!

 

Recebi sua carta de 19 de janeiro de 1872 no dia 13 de março do mesmo ano. Alegrei-me bastante por ter recebido mais uma vez notícias da pátria, e principalmente porque todos vocês vão indo bem. Queria ter escrito há mais tempo, mas passaram-se as semanas e os meses sem que eu o fizesse. Como  parece vocês têm tido bons tempos. Recentemente chegou a herança de Wädli. Desta vez não consegui nenhuma fotografia, mas pretendo conseguir mais tarde. Para nós aqui é esporádico tirar fotografias, pois moramos bastante longe da cidade. No intervalo de um ano morreram dois filhos de Samuel, primeiro uma menina de três anos, e agora um menino de seis anos. Ambos morreram muito rapidamente. O menino estava bem à tarde, foi para a cama e dormiu bem durante a noite toda. De manhã acordou dizendo que não se sentia bem, e às 7 horas da tarde estava morto. Meu irmão, quando viu que ele estava piorando, foi à cidade procurar medicamente, e ao voltar já fazia uma hora que ele havia morrido. Neste clima deve-se enterrar logo os defuntos, e por isso à noite novamente Samuel voltou à cidade para arranjar caixão e sepultura. Eu e mais alguns avisamos os vizinhos. Saímos de manhã às 6 horas e o enterro foi ao meio-dia. Neste país, quando alguém morre, o corpo é coberto por um pano e posto numa rede para levar à cidade. A rede é amarrada na frente e atrás de uma vara que então é carregada por dois homens. Como os caminhos são muito ruins, nada mais se pode fazer. As pessoas de mais posses utilizam-se de carroças para o transporte. Se a pessoa for grande e pesada, e a distância até á cidade for grande, como por exemplo aqui, cerca de cinco horas, precisa-se de 16 a 20 homens  para poder se trocar com certa frequência após carregar por trechos curtos, principalmente quando faz calor. Os brasileiros pobres enterram sem caixão, mas os alemães não procedem assim.

Aqui em casa tudo corre do mesmo jeito. Nossa plantação principal ainda é a batata e o arroz. O café aqui está caro por causa das fortes geadas de 70 e 71. O café que ainda não estava muito crescido foi então queimado pela geada. Até o próximo ano ele pode ficar mais barato. As chuvas tardias de março causaram grandes estragos em muitos lugares, principalmente junto aos grandes rios e no litoral, por causa de grandes inundações. Ocorreram também grandes deslizamentos de terra. Muitas cidades à beira dos grandes rios ficaram parcialmente submersas. Ao todo algumas centenas de casas foram destruídas. No Rio, o monte de S. Bento desabou sobre uma parte do Arsenal da Marinha, tirando a vida de muitas pessoas. No começo de outubro novamente a Província do Rio Grande do Sul sofreu inundações por causa das chuvas. Também ocorreram grandes deslizamentos de terra. As inundações foram as maiores de que o povo lá tem lembranças.

A estrada de ferro de Santos já chegou a Campinas e deve ser prolongada até São João do Rio Claro. Também de Jundiaí parte uma estrada de ferro até Itu. Desta estrada perto da pequena cidade de Indaiatuba, a 2 ½ léguas daqui, vai ser construído um ramal para Piracicaba. Constroem-se estradas de ferro também em outros lugares nesta província.

A partir de primeiro de janeiro de 1874 entrará em uso aqui o sistema francês de pesos e medidas, e então poderemos nos entender melhor a esse respeito. Embora em alguns lugares tenha chovido bastante, aqui choveu muito pouco. Muitas plantações de batata estão praticamente perdidas. O arroz também começou a secar; o mesmo aconteceu com o milho, e o feijão também está mal. Os víveres sobem de preço dia-a-dia. Se finalmente não chover logo, deve-se temer o pior, pois também os pastos secarão e logo o gado passará necessidade.

Não tenho muito a escrever sobre a minha família, a não ser que vai bem, e, graças a Deus, com saúde. Tenho agora cinco filhos: Franz, Anna, Magdalena, Christian, Johannes e Luisa. Samuel tem também cinco filhos.

Christian mora na cidade de Campinas, e tanto quanto eu saiba, vai bem. Sua filha, Annabäbeli, faz tempo que casou, e mora também em Campinas. Christian trabalha com o cônsul , Sr. Krug. Peter mora em Piracicaba, onde se estabeleceu. Como tenho ouvido, ele trabalha principalmente na profissão. Fritz, seu filho mais velho, deve também ter casado. Há algum tempo estamos esperando que Peter venha aqui, mas até agora não veio. Há pouco tempo novamente ele mandou notícia de que ainda virá. No domingo passado o cônsul pediu-me que lhe escrevesse que deveria vir para receber dinheiro que estava com ele. Provavelmente agora ele virá. Além disso não sei escrever mais nada a seu respeito. Eu e Samuel queremos construir um pequeno moinho, e por isso gostaríamos que Peter viesse para nos ajudar a fazer o mais difícil. As pedras são pequenas, e um homem forte pode erguê-las. Não precisamos usar pedras grandes, pois a água é muito pouca. Poderia ainda escrever-lhe muito, que poderia não ter maior interesse para você. Algo mais: ninguém deveria vir aqui ao Brasil nem como parceiro nem como colono do Governo, pois essa gente está sempre enganando, e por isso quanto mais longe deles melhor. As queixas nas colônias de parceria são mais do que fundadas. As pessoas estão aborrecidas porque não encontraram o paraíso com que os agentes acenaram. Ouvem-se também bastante queixas das colônias do Governo, em parte por causa da distancia dos mercados, ou pelo opressão dos dirigentes. O governo prometeu terra boa, e muitos, entretanto, sendo enganados, receberam terra ruim, que para nada serve, e eles também nada podem fazer. Vocês não devem pensar que o Brasil só tem terra boa e fértil; não, o Brasil tem mais terra ruim do que boa. Quando não se conhece a terra, facilmente pode-se comprar terra ruim como se fosse boa. Por isso, quem quiser comprar propriedades aqui, sem conhecer suficientemente a terra, deve aconselhar-se com alguém que conheça a qualidade do solo. A terra boa para café não dá batata, e vice-versa.

Como eu já havia dito, vamos indo bem, e desejamos que também você possa estar bem , e que todos vocês estejam com saúde. Cumprimentamos a todos vocês de todo o coração, e fazemos votos de felicidades e bênçãos de Deus. Lembranças para você do seu irmão que nunca o esquece.

 

                                                      Niklaus Krähenbühl

Recebi a carta de Hans no dia 19 de julho. Vou também escrever-lhe em seguida. Entrementes, mando-lhe lembranças, bem como a Gottlieb. Também à minha irmã e aos irmãos Hofer. Hoferueli devia fazer um pequeno desvio na sua viagem, para o Brasil e trabalhar aqui em Campinas cerca de um ano. Então ao voltar para casa teria o que contar. Há uma pessoa de Lucerna em Campinas, também marceneiro, e sozinho na profissão. 

 

 

 

CARTA 6


 

Friedburg, 30 de dezembro de 1891

 

Amados irmãos e família!

 

Quando recebemos sua carta de 6 de julho de 1890, quis logo em seguida responde-la, mas o tempo passou até agora. Estou realmente ficando muito negligente. Se o novo proprietário do Castelo de Rued vier aqui  ao Brasil, não deverá vir a essa região a qual moramos, pois daqui não saiu nenhum recaço. Se fosse demolido o velho palheiro realmente não haveria grande prejuízo; ao contrário, se fosse o belo celeiro, haveria. Pode comunicar a seu filho que não há mais no banco nenhuma letra de meus filhos nem de Peter. Meus quatro filhos estão todos comigo em casa. O filho mais velho de Samuel também está em sua casa. Os dois filhos mais velho de Peter, Friz e Hans, têm uma fábrica em Piracicaba, que emprega vinte operários. Georg, tanto quanto eu saiba, está em Rio Claro, e Melchior esteve por algum tempo em Botucatu. Não sei já voltou para Piracicaba. Todos os quatro filhos de Peter são artífices. No Natal esteve em Piracicaba um jovem daqui, que trouxe a notícia de que Sofhie, a filha mais velha de Fritz, filho de Peter, morreu muito rapidamente de varíola. Ela era casa com um ministro da fé evangélica, brasileiro, e deixou  uma filha.

Já faz cerca de dois anos que o Brasil se tornou uma república. Temos agora uma constituição federal, feita  à semelhança da norte-americana. A mim ela não agrada muito pois o Presidente tem muito poder, e escolhe seus ministros com os quais governa. Está bastante na moda aqui , que quem a vaca leiteira do Estado, primeiro cuida de si, depois dos seus numerosos amigos, e por último  do bem geral, nessa sequência. Desta forma pode-se pensar facilmente que espécie da economia resulta. As repúblicas sul-americanas não prestam lá grande coisa, padecem de um verdadeiro câncer, e por que o Brasil constituiria uma exceção? Escolheu-se aqui o sistema de duas câmaras – o senado e a câmara dos deputados. Até agora nenhuma lei útil foi promulgada. Eles brigam entre si por coisas inúteis, dividem os privilégios e concessões de negócios. Na realidade, têm que favorecer os seus amigos. Existe agora uma multidão de bancos; muitos receberam a concessão de emissão, e puseram em circulação um cem número de papel moeda. Agora, por causa dessa má economia do governo, e das muitas notas  bancárias, o papel moeda está tão depreciado que já chegou à metade do seu valor em ouro. Ouro ou prata não se encontra mais. Por causa disso todos os víveres e principalmente  todos os outros artigos, como tecidos, madeira, etc., ficaram tão caros como nunca. No dia 21 de dezembro de 1890 realizou-se um recenseamento. Foram distribuídos formulários impressos e deviam ter sido entregues aqui. Cada um tinha de preencher por si mesmo o formulário, o que foi uma estupidez, pois como todo mundo sabe, dois terços da população não sabe ler ou escrever. Aqui em Friedburg não veio ninguém; parece que nós somos supranumerários. Quando uma nova lei é promulgada aqui, não precisamos nos preocupar que mais da metade dos habitantes não saiba ler, mas sim que existem eminentes advogados para interpretá-las, tão erudita e ininteligível é a sua redação. Há alguns anos foi publicado um novo código civil, que por ser tão prolixo e ininteligível, principalmente para a população do interior, jamais foi posto em execução. Antes de ter sido feito para este país, deveria ter sido feito para nações altamente civilizadas.

Na alfândega de Santos são feitas formidáveis queixas sobre a má condução da Economia. Grande número de mercadorias estão lá no chão, sem que seus destinatários as possam ver. Uma multidão de navios tem de esperar 4, 6, 8 meses no porto, sem poder desembarcar suas mercadorias. Em todas as partes aqui reina a burocracia. Deve-se relatar  a respeito deste governo que o Presidente renunciou há pouco mais de um mês. Por assim dizer, ele foi forçado a renunciar. O motivo foi ter perdido o apoio do Congresso. Em seu manifestou acusou ele  os membros do congresso de terem ferido a Constituição e ele também ter-se sentido culpado. Aqui cada partido vê o argueiro no olho do outro, e não vê a trave em seu próprio. A respeito dos negros está tudo bem. Muitos trabalham assalariados aqui e ali; os que conseguem, compram usualmente um pedaço de terra onde se estabelecem. Antes tu tive frequentemente negros trabalhando comigo. Para Cristo os negros há muito tempo não são melhores nem piores do que os demais brasileiros.

No ano passado, e também neste, a plantação aqui foi muito bem, exceto o arroz. Há alguns anos o arroz não mais tem dado bem. Quando o feijão estava em florada, tivemos aqui uma chuva de pedra. Por causa disso colhemos pouco feijão. O milho e a batata cresceram de novo. O milho já está muito bonito, e a batata, que já está no fim da colheita, deu bem, e está muito cara, 50 litros por 6 a 7 mil reis.

Ocorreu em minha família um acontecimento que levou mais um de nós. No dia 21 de fevereiro deste ano morreu meu décimo segundo filho depois de um curto período de doença, com a idade de dois anos e quase três meses. Todos nós gostávamos muito da pequena Albertina, tão  inteligente e esperta. Consultamos o médico em Capinas, mas de nada adiantou. Augusta, nosso décimo terceiro filho, já tem mais de um ano.

Há cerca de um mês houve nesta região forte onda de sarampo. Em casa atingiu a todos, grandes e pequenos, eu e minha mulher, mas todos nós já saramos. Na vizinhança morreram três crianças. Não sei nada da família para contar, nem do Samuel. Anäbabeli e sua família saíram de Campinas para o interior no primeiro surto de febre. Bäbi e Christina  tiveram ainda de ficar em Campinas, pois Bäbi estava doente, mas mais tarde saíram também. Já faz bem dois anos ou mais que não tenho mais ouvido de vocês. Cristina nos escreveu pedindo ajuda pois ela queria viajar para a Europa para curar sua enfermidade. Há doenças incuráveis neste clima. Ela está com uma doença muito triste; ela tem lepra, doença muito contagiosa. Não sei se ela já viajou ou não, nem mesmo se ainda está viva ou se já morreu. Se a doença já estivesse se manifestando muito sensivelmente, ela não mais poderia viajar, pois seria proibida. Deveria viver em isolamento para evitar contagio. Campinas parece já estar livre da febre, pois neste ano não se registrou nenhum caso. Mas em Santos ela continua muito forte. Campinas sofreu duas ondas de febre. A primeira foi pior; no ano de 1890 não foi tão forte. Como dissemos, neste ano não sobreveio nenhum caso de febre. Não sei se no próximo ano ainda haverá febre, mas é de se esperar que nunca mais ela venha.

Campinas despendeu grandes somas de dinheiro para o serviço de água e esgotos, para tornar a cidade mais saudável. Continuo ainda como professor, mas não sei durante quanto tempo ainda. Tenho agora 28 crianças na escola. Estou com boa saúde e minha família também. Desejo que também assim seja com vocês. Deus todo poderoso lhes proteja das doenças e de todas as desgraças.

 Envio mil lembranças a vocês todos. Seu irmão que sempre os ama.

 

                           Niklaus Krähenbühl

 

Quando estiverem prontas, mandarei mais tarde duas fotografias da família, uma para vocês e outra para Gottlieb. Estamos ali todos juntos, exceto a falecida Albertina, pois tiramos a fotografia depois da sua morte.

 

O endereço deve continuar como até agora. Só deve ser omitido o nome do cônsul , pois o Sr. Bolliger entregou o seu posto. Ele ainda está em exercício até a indicação de novo cônsul. Aqui não recebemos nenhuma notícia pelo correio.



 

CARTA 7

 

 

 

Piracicaba, 10 de julho de 1896,

 

 

 

Queridos e família ( em dintikom)!

 

Recebemos sua carta e muito nos alegrou recebermos sinal de vida de vocês. Por outro lado, estamos também igualmente muito tristes por ter falecido o seu amado filho, tão cedo, na melhor época da vida. Minha mãe está ainda bem disposta e forte, e faz ainda os trabalhos domésticos, apesar de não necessitar. Dia e noite ela pensa em vocês e na vela pátria. Como ela gostaria de ver e falar com vocês. Quanto coisa ela teria para lhes contar. Ela manda dizer que vai bem e que gosta muito de seus filhos.Nós vamos indo bem. Eu e Hans temos uma fábrica de carros e uma serraria, e fazemos manutenção de máquinas. Temos agora 31 operários empregados em nossa oficina. Minha irmã Bäbeli geralmente vai inda bem. Ela tem uma grande gleba de terra e bastante gado. Ela mora a cerca de 18 léguas daqui.

 

Meus dois irmãos mais moços, Melchior e Georg, tem também uma oficina aqui na cidade. A irmã mais nova casou-se com um brasileiro, e seu marido tem uma venda.

 

Os mantimentos aqui estão muito caros, pois o café está com um bom preço, e assim os fazendeiros só se importam com o café. Além disso, cada ano chegam muitos milhares de imigrantes. Eu e meu irmão Hans pensamos ainda em visitar a Suíca. A viagem já é muito mais rápida do que antigamente, e em 20 dias pode-se ir daqui até a Suíça.

 

Querido tio, escreva-nos logo de novo, ou peça para Don Fritz escrever. Encerro, esperando que estas linhas os encontre com saúde. A Cumprimentamos a vocês todos de coração.

 

 

 

                                   Fritz Krähenbühl

 

 

CARTA 8

 

Friedburg, 11 de setembro de 1906

 

Querido Fritz e família!

 

Recebi sua carta de abril e com ela a triste notícia de que meu querido irmão Ulrich entrou nas mansões eternas. Éramos seis irmãos, e agora só restamos eu e Samuel. Provavelmente nós não sofreremos muito mais nesta terra, se bem que até agora minha saúde esteja bastante bem. Sem dúvida, todos teremos de morre; não obstante nossa pai atingiu uma idade bastante avançada. Hans, Christian e Peter morreram no início de seus sessenta anos, e eu pensava que também partiria com essa idade. Tenho agora setenta e dois anos e meio, e a saúde tem estado sempre boa, embora eu tenha me tornado um pouco esquecido e distraído. De meus quatro filhos está ainda comigo só Christian. Os outros  três foram embora e trabalham independentes. Franz, o mais velho, já tem belo batalhão de filhos. Dos meus filhos, Magdalena, a mais jovem ainda está na escola. Os outros estão adultos. No ano de 1900 construí uma casa nova, térrea, grande e de alvenaria. Quando a nossa escola aqui completou 25 anos, tivemos aqui uma grande festa, e então pedimos que viesse de campinas um fotógrafo para tirar as fotografias, o qual hospedei em casa. Aproveitei, também, e tirei fotografias de minha casa, e de minha família na escada em frente da casa.  Fiquei conhecendo um senhor de nome Joseph Zumstein, que tem dois filhos aqui na escola, uma menina que ficou conosco em casa, e um rapaz que ficou na casa de Samuel. O senhor era de uma colônia do governo situada a uma boa distância de Campinas. Esse Zumstein estava cansado e queria voltar para a Suíça. Então vendeu tudo  que tinha e viajou de volta com a família. Dei a ele muitas fotografias , duas de casa, e duas da família, para entregar a vocês . Duas são suas e as outras duas devem ser entregues para Gottlieb em Gontenschwill. Como você não mencionou nada em sua carta, logo supus que Zumstein não entregou as fotografias. Na minha carta anterior eu havia escrito que iria enviar essas fotografias. Espero que você também me escreva de novo e então não se esqueça de me dar resposta sobre isso.

Neste ano tive uma bela colheita de café. Na semana passada pusemos o resto no terreiro para secar. O preço do café aqui está caindo bastante. Tivemos já uma grande seca e o que estava plantado sofreu bastante. Também está ruim para o gado, pois os pastos estão muito secos. Por agora encerro esperando que esta carta encontre você e os seus com boa saúde,m como também eu e os meus.

Desejamos a você felicidades e ricas bênçãos de Deus.

Seu tio Niklaus Krähenbühl

 

 

 

CARTA de Peter Krähenbühl

 

S. Lourenço, 17 de julho de 1865

 

 

Muito amados irmão, irmã e cunhado!

Devo novamente escrever-lhes, pois acho que vocês se esqueceram que nunca mais escreveram para mim, ou talvez pensam que eu não poderia pagar a carta. Mas não estamos tão mal assim, senão Samuel e Nicklaus não me teriam pedido emprestado 200 mil reis para comprarem mais terra. Se eu lhes dei  ou não esse dinheiro é outro negócio.

Temos hoje duas vacas e um cavalo, e também porcos. Temos bastante feijão e arroz, que não precisamos comprar. Também batata, batata doce, cará, mandioca e araruta, esta última usada só para fazer farinha. Eu trabalho ainda na fazenda onde ganho por dia 2 mil reis e meus filhos cuidam do café e da roça para consumo da família. No último ano eles araram 350 alqueires. Vou ficar ainda uns dois anos na colônia pois ainda não me desgostei deste lugar. A cada três ou quatro semanas vem aqui um pastor para pregar o Evangelho. É um missionário norte-americano, casado, com filho. Ele também oficia os batismos das crianças. Sempre pensamos que viria aqui algum dos parentes para nos visitar, mas ninguém veio. Gostaria de pedir a vocês que, quando tiverem oportunidade e desejarem ser amáveis, me enviassem o livro “A Escola do Marceneiro” de Wöflis. Além dele, se encontrarem também  outro que verse sobre o polimento, vernizes e tintas. “A Escola do Marceneiro” de Wöflis deve ser encontrado em J.J.Chirsten, em Aarau.

Minha irmã, tudo que você disse sobre a mulher de Christen era plena verdade, pois ela é malvada e baixa, e nunca achei ninguém tão falsa e caluniadora. Ninguém causou-me tanto mal quanto ela. Sem ter o menor motivo, ela não pode tolerar que nós possamos ir melhor de vida, pois temos sempre algum dinheiro em casa e meus filhos são sempre dedicados ao trabalho. Isso ela não pode tolerar, tem falado toda a espécie de maldade sobre nós. E, ainda mais, disse que nós dissemos a seu respeito ter ela estimulado os outros colonos a saírem. Depois disso ficou ela muito envergonhada perante as pessoas. E saiu da colônia. Isto muito nos agradou, pois a megera saiu do nosso caminho. A respeito da guerra aqui, pouco ou nada sei para lhes escrever, pois as notícias que tenho foi li no “Bund”  de Berna. É certo que li também um jornal brasileiro em alemão, de Dona Francisca, que entretanto é muito pequeno e é publicado sem regularidade. Ele é impresso aos sábados e o correio chega aqui a cada 10 dias, e muitas vezes falha duas ou três vezes em seguida.

Esperamos que logo termine a guerra, o que já era de se desejar. Além disso não sei muita notícia a mais. Estamos contentes com a nossa situação. Apreciaria se pudessem ser tão bondosos que me informassem se Samuel Müller Grazzi e sua mulher, de Wannenhof, estão ainda vivos, bem como sua irmã em Holziken. E ao receberem a carta, escrevam-me tão logo quanto possível. Escrevam se essas pessoas ainda vivem. Escrevam-me bastante, pois estou muito curioso sobre como estão todos vocês. Aqui vamos bem e desejamos ouvir o mesmo de vocês.

Se alguém quiser vir para cá como colono, seria melhor vir para S.Lourenço, ou pelo menos compromissar-se com este patrão, que tem 9 colônias. Uma dista daqui cerca de 3 a 4 horas, e outra de 5 a 4 horas. O patrão é um dos melhores dentre os que têm colônias. Há muitos que saíram daqui e novamente voltaram. Há também os que conseguiram sua própria terra e a compraram , e que permanecem aqui como colonos. Nosso irmão Samuel está arrependido de ter saído daqui, e me disse que melhor teria feito se ainda permanecesse aqui. Se alguém quiser vir para cá e não tiver dinheiro suficiente, deve escrever-me. Pode ser que o patrão aqui o ajude. Ele tem um filho na Alemanha, e também por isso  está ele na Suíça. Porém, quem não quiser trabalhar, é melhor ficar por aí em casa.

Estamos todos bem e com saúde e desejamos que esta carta encontre vocês com a melhor saúde. Lembranças a todos os parentes e conhecidos, e principalmente a vocês.

O seu irmão que os ama

 Peter Krähenbühl

 

 

 

 

CARTA DE MARGARIDA KRÄHENBÜHL

Piracicaba, Província de São Paulo, Brasil

6 de junho de 1888

 

Querido cunhado e família!

 

Com grande alegria recebi sua amável carta de 7 de fevereiro. Foi uma demonstração de que também na distante e amada pátria corações pulsam por nós, alegram-se por receber nossas notícias e interessam-se pelo nosso destino. Alegramo-nos também profundamente com as duas fotografias, e agradeço-lhes de coração pelas mesmas.

Em sua última carta vocês nada falaram sobre Elster Miri(?), onde ela está e como vai. Como tem passado a esposa de Schädilis? Em nossa casa vamos regularmente, nossos filhos  e suas famílias estão com saúde e têm bom trabalho. Só eu que não vou muito bem, e tenho tido ataques cada vez mais frequentes.

Meu filho mais moço, Melchior, agora com 23 anos, casou-se no dia 19 de mês passado com Barbara Blumer, filha de Glarner, e assim agora todos os meus filhos estão acomodados. A mulher do cunhado Christian, Bäbi, infelizmente está com hidropisia, e a sua filha Cristina, ficou com uma mão entrevada por causa de um panarício. Não tenho notícias de meus cunhados de Campinas, Niklaus e Samuel e nem também de Jakob Petrich e Jakob Senn. Após a morte de meu sempre lembrado marido, meus filhos melhoraram ainda significativamente a oficina e sempre estão recebendo novas máquinas. Treze de maio para todo o Brasil foi um dia de extraordinária importância. Por uma lei assinada nesse dia pela Regente, a escravidão foi abolida em todo o império. No dia 14 realizaram-se festividades em toda parte, como nunca havia sido visto no Brasil. Muito ao contrário da América do Norte ( onde a abolição da escravatura desencadeou uma prolongada guerra civil) aqui bastou um ato do próprio punho. Os negros, advertidos pelos abolicionistas, fugiram em massa das fazendas e se tornaram povo comum. Isso aconteceu com o apoio dos militares, e finalmente o Governo se viu obrigado a abolir a escravidão mesmo contra a sua própria vontade.

No dia 15 deste mês foi inaugurado o novo mercado, perto da nossa casa. Não tenho nenhuma notícia para lhes dar sobre Wey, ex-fabricante de cerveja em Villmergen. Ele deve morar em uma outra província, talvez em Petrópolis, perto do Rio de Janeiro. Aqui em Piracicaba mora um professor de nome Franz Wey, que foi professor de todos os nossos filhos. E ele filho de Franz Wey, fabricante de sal e neto do supremo magistrado Wey de Villmergen. Ele emigrou para o Brasil em junho de 1856. Sua mãe e seus irmãos, que moram em Sorocaba, estiveram hoje aqui nos visitando. Com esse família emigrou também Seppi Meyer ( carpinteiro de carros ), de Unterzelt, em Villmergen. Eles desejariam muito ter notícias de seu irmão Jakob ou do filho dele, Peter, e ficariam muito agradecidos se vocês me pudessem comunicar algo a esse respeito. Wey também pede a vocês que, se forem a Villmergen, indaguem a respeito de seu antigo professor Zubler, a quem ele pede  que vocês cumprimentem cordialmente. Ele lhes pede também que participem-lhe ( na próxima carta que me escreverem ) em que ano a sua avó ( viúva  do supremo magistrado Wey ) morreu, e como vão os seus parentes. A mencionada viúva Wey, em 1855, quando os seus parentes viajaram para cá, morava na sua propriedade, que fica entre Villmergen e Wohlen, onde se inicia a estrada para Muri.

Enquanto que para vocês já começa o verão, começa aqui agora o inverno, que não se pode comparar com o daí. Se bem que tenhamos alguma geada, nunca cai neve.

Encerro agora, com a agradável esperança de logo novamente me alegrar com uma amável carta de vocês, bem como de que esta os encontre todos com saúde e alegria.

Receba, querido cunhado, os cordiais cumprimentos de todos os meus filhos, bem como desta sua cunhada que não o esquece.

 

Margarida Krähenbühl